18 de maio de 2015

TROVA # 47

SÃO PAULO – HAVANA

 

"Mamãe, eu quero ir a Cuba

Quero ver a vida lá

La sueño una perla encendida

Sobre la marMamãe eu quero amar

A ilha de xangô e de yemanjá

Yorubá igual a bahia

Desde Célia Cruz

Cuando eu era un niño de jesus

E a revolução

Que também tocou meu coração

Cuba seja aqui

Essa ouvi dos lábios de peti

Desde o cha-cha-cha

Mamãe eu quero ir a Cuba

E quero voltar"

(Caetano Veloso - "Quero ir a Cuba")



Ao fazermos uma pesquisa bem rápida pela Internet em maio de 2015, descobrimos que uma passagem de voo saindo de São Paulo para Havana custaria cerca de 2000 reais. Isto porque (ainda?!) não existem voos diretos para a ilha de Che e Fidel. Uma das agruras de ser professor e aspirante a Doutorando é ter a constante impossibilidade de utilizar o cartão de crédito e fazer as malas em meados de maio, por isso, a única alternativa que nos sobra é quando artistas cubanos brindam o Brasil com a sua presença, o seu talento, seus sopros e a sua irresistível batucada.

Desde que li a biografia de Carmen Miranda tão bem escrita pelo Master Ruy Castro, na qual ele descreve como as lendárias orquestras cubanas seduziram os Estados Unidos, fiquei com vontade de conhecer Havana. Meu passaporte estava garantido para a noite do dia 16 de Maio de 2015, quando a Buena Vista Social Club, um dos grupos cubanos mais importantes do mundo, veio para uma turnê pelo Brasil. 


Para ver e ouvir ao vivo a orquestra que revelou para o planeta os talentos de Ibrahim Ferrer, Compay Segundo, Rubén González, Pío Leiva e a incomparável Omara Portuondo tocar boleros, salsas, tumbas e guajiras ao vivo, fizemos uma comemoração um tanto incomum para a tarde de sábado, enquanto esperávamos o show: a partir de uma postagem no Facebook, dissemos (jocosamente, em tom de pura brincadeira) de que iríamos para Cuba na noite daquele sábado. Só não mencionamos que, na verdade, foi La Isla Bonita que veio a nosotros.

A viagem para a Cuba levaria algumas horas, pois são vários os km que separam a Zona Leste do HSBC Brasil, local da apresentação da Buena Vista Social Club. O melhor de tudo era que não teríamos que enfrentar a chatice insuportável de terminais de embarque e desembarque de aeroportos internacionais, alfandegários insuportáveis, filas intermináveis, tampouco o sobe e desce insuportável dos voos (inter)nacionais - os que me conhecem um pouquinho sabem que eu detesto viagens de avião. No entanto, tínhamos pela frente a odisseia do trânsito de São Paulo, com suas marginais e suas pontes estaiadas, flanelinhas ousados e estacionamentos inflacionados, além do porre insuportável do público e do staff das casas de shows, locais onde o público está muito mais a fim de beber, comer, conversar ou fazer qualquer outra coisa que não seja curtir a música e os garçons pululam à sua frente com lanternas e máquinas de cartão de crédito desesperados para que o cliente pague a conta antes de abandonar o recinto.

A chatice se esvai quase completamente quando as luzes se apagam e o pianista da Buena Vista Social Club adentra o palco e dá início a um solo virtuoso e arrepiante, digno de um Herbie Hancock, de Horace Silver ou de um Chucho Valdés. Logo depois, os demais músicos entram no palco e dão continuidade ao recital de quase duas horas de duração de muita batucada, sopros, romantismo e muita emoção. Alguns dos integrantes remanescentes do grupo que foi eternizado pelas lentes cinematográficas de Wim Wenders continuam na ativa, enquanto jovens músicos agregam o melhor de seus talentos para uma das melhores bandas do mundo.


O ápice do show é quando é anunciada a entrada de Omara Portuondo, belíssima e encantadora no alto de seus 84 anos de idade, cantando em tons agudos como pouquíssimas cantoras conseguiriam. Dotada de uma energia e de um carisma contagiantes, Dona Omara arrancou gritos e aplausos entusiasmadíssimos, dignos de uma Pop Star adolescente. Sua conclamação para que o público batesse palmas e cantasse junto com ela era tamanha, que, várias pessoas resolveram se levantar de seus assentos e dançar com seus pares ou sozinhos, embalados pelo som e pela batucada cubana.




Em menos de duas horas, São Paulo já era Havana, Havana já era São Paulo. Findo o show, tudo o que tínhamos que fazer era juntar o que restou de nossas energias, abandonar o sonho musical de romantismo e sons exuberantes e retornar às nossas rotinas de sons urbanos, com sabor de concreto.


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