A REENCARNAÇÃO DO SIMPLY RED
“I
am in this business for the music. The whole fame and celebrity stuff is the
bit that I’ve always been uncomfortable with.”
(Mick
Hucknall)
Uma
das minhas primeiras lembranças musicais caseiras foi com a banda inglesa
Simply Red, que meus pais adoravam. Foi bem no início da década de 1990 quando
minha família, agraciada com a possibilidade de ascender socialmente dentro da
cadeia social chamada Classe Média, resolveu investir em um aparelho de som da
Gradiente e comprar LPs e alguns CDs, que surgiam na nossa casa. Dentre as
aquisições, álbuns da banda preferida dos adultos lá de casa que, com o tempo,
tornou-se um dos meus números musicais preferidos. Eu devia ter entre 9 e 10
anos quando aquele processo começou a acontecer, já tinha algumas noções bem
básicas de Inglês e começava a me interessar por música.
A
figura de Mick Hucknall, o vocalista ruivo que dá o nome à banda que fundou e o
único membro remanescente da primeira formação do Simply Red, sempre me
intrigou: suas madeixas cor de fogo revelam cachos rebeldes e que, naquela
época, eram entrelaçados por dreadlocks.
Quando abria a boca para cantar, achava um absurdo: como aquele branquelo
inglês conseguia cantar tão efusivamente como um negro? E, ainda por cima,
conseguia alcançar aqueles agudos que eu adorava imitar quando não havia
ninguém em casa e ficava ouvindo os álbuns da banda. Comecei a invejá-lo de tal
maneira a querer aprender a cantar como ele...
A
sonoridade do Simply Red era algo que encantava fãs e críticos: sua música
conseguia fundir elementos de Jazz, Funk, Rock e Soul em meio a
baladas melosas como "Holding Back the Years" e números mais rápidos
e dançantes tais como "I Won't Feel Bad". Tinha trânsito livre tanto
em festivais de Rock como o nosso saudoso Hollywood Rock, como o festejado e
chiquérrimo Festival de Montreux, realizado anualmente na Suíça. No decorrer do
período entre 1991 - quando eles lançaram seu álbum de maior sucesso, o
belíssimo Stars - e 1993, fim da
turnê mundial dos caras, foi uma das bandas mais festejadas por aqui. Detalhe:
tal período de prestígio ocorreu durante o auge do Grunge, que teve bandas
como Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains como estandartes de um movimento que
pregava uma estética mais suja e muito mais descompromissada com padrões
estéticos, o que era oposto à arte de Hucknall e seus comparsas.
Confesso
publicamente que fiquei com uma ponta de inveja quando duas das sobrinhas de
meu Pai tiveram a oportunidade de ver uma apresentação do Simply Red ao vivo na
edição de 1993 do Hollywood Rock. Como alegaram que eu era muito novo para ir
desacompanhado de meus país a eventos de grande público (somando-se ao fato de
que estávamos atravessando dificuldades financeiras delicadas naquela época),
tive que me contentar em ficar em casa e assistir o show pela TV durante a
noite de 24 de Janeiro de 1993, enquanto meus pais gravavam tudo pela
transmissão da Rede Globo - com direito aos comentários toscos e chatíssimos da
Maria Paula, já ex-VJ da MTV Brasil. Não consigo me esquecer da entrada
triunfal de Mick Hucknall no palco depois da banda tocar uma introdução
arrasadora de "Come to My Aid". Em poucos segundos, o ruivo inglês
conseguira colocar toda a Praça da Apoteose para dançar e cantar enquanto ele
se desdobrava em scats e notas
agudas, insólitas para qualquer cantor do sexo masculino. A partir daquela
noite, minha relação com a música mudou de uma vez por todas: sabia que eu
queria viver dela, seja como jornalista musical, ou como escritor, ou (quem
sabe?!) como músico amador (por quê não?).
Tornei-me
não apenas um fã do grupo como também passei a comprar tudo que tinha
disponível do Simply Red nas lojas de discos quando o parco dinheiro que caía
em minhas mãos me permitia desfrutar das liberdades do consumo. No final da
década de 1990, consegui reunir todos os álbuns do grupo em CD, um feito
inédito para um jovem apaixonado por música como eu. Acompanhei não apenas as
transformações na música do grupo - que deixou de aglutinar gêneros musicais
distintos para fazer um Pop bem radiofônico - como também as mais diversas
formações da banda, mantendo Mick Hucknall como a única entidade que comanda um
negócio coletivo. O ruivo matador de Manchester tornou-se vocalista, compositor,
produtor e acabou por fundir a banda com o homem, fato que não acho nada
interessante, apesar de seu talento ser literalmente algo inquestionável.
Não
me surpreendi quando o "fim da banda" foi anunciado no aniversário de
25 anos do Simply Red, em 2010. Mick Hucknall afirmou que queria se enveredar
por projetos solo e que lhe dessem a liberdade artística que o
"grupo" não lhe permitia mais (um dos projetos paralelos mais legais
dos quais Hucknall participou foi como vocalista de uma reunião do Faces entre
2009 e 2010 e nos fez esquecer do brilhantismo de Rod Stewart por vários
momentos). O ruivo gravou dois discos belíssimos e que, por não conter a marca
Simply Red, não fizeram grande sucesso. Por outro lado, estava feliz que não
houve nenhuma espécie de esforço por parte de qualquer empresário e/ou
gravadora em querer ressuscitar o dinossauro aposentado. No entanto, ao
contrário de gigantes adormecidos como o Led Zeppelin, o R.E.M. ou o Genesis,
logo logo seríamos surpreendidos por uma novidade um tanto inesperada.
Fiquei
meio surpreso quando soube que o Simply Red iria retomar as atividades em 2015.
Quando pensei que Mick Hucknall iria fazer uma turnê de comemoração de 30 anos
do surgimento de Picture Book, os
caras (leia-se: o exército de um homem só) surgiram com um novo álbum chamado Big Love. O álbum não chega aos pés de
trabalhos mais clássicos como A New Flame
(1989), Stars (1991), Life (1995) ou Blue (1998), mas consegue ainda encantar o ouvinte como há muito
tempo não fazia quando ouvíamos qualquer material inédito da banda. Hucknall
reuniu alguns dos músicos que colaboraram com ele ao longo dos anos e conseguiu
realizar o primeiro CD com repertório completamente inédito em 20 anos.
As
canções de Big Love não chegam a ser
tão marcantes com o melhor que já foi produzido pelo Simply Red na década de
1990. No entanto, o trunfo principal da banda manteve-se se intacto com a
passagem do tempo: a voz de Mick Hucknall manteve o mesmo charme e viço de
décadas atrás. No entanto, sem ela não teríamos a oportunidade de presenciar a
reencarnação de uma das bandas com um dos repertórios mais legais dos anos
1980-1990. Assim, quem sabe novas gerações se encantam com um dos meus artistas
preferidos e decidem se enveredar com intensidade pela música tal qual eu o
fiz?
Aos
54 anos de idade, Hucknall dá sinais de que a aposentadoria de sua banda está
longe de acontecer. Os amantes da boa música não ficarão insatisfeitos com este
fato, ainda mais levando em consideração que a banda decidiu retornar também
para os palcos. Quem sabe, desta vez, eu consigo a oportunidade de ver um dos
músicos que mais me influenciou cantar ao vivo no meu país?
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