22 de dezembro de 2015

TROVA # 62

CHICO BUARQUE ENTRE A TELONA DO CINEMA & A TELA DA TV

(5 motivos para ir ao cinema assistir Chico – Artista Brasileiro e 5 motivos para esperar este filme sair em DVD)



A música brasileira tem recebido documentários maravilhosos sobre vários de nossos artistas. Vinícius de Moraes, Caetano Veloso, Tom Jobim, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Raul Seixas, Jorge Mautner, Luhli & Lucina, Elza Soares, a Era dos Festivais e a Tropicália foram homenageados com toda a pompa e circunstância necessária e merecida por cineastas jovens e experientes. Fiquei bem animado quando soube que Miguel Faria Jr. tinha feito um documentário sobre Chico Buarque e resolvi ir ao cinema assim que as férias batessem a minha porta.

Miguel Faria Jr. & Chico Buarque

Documentários não atraem um público muito extenso: geralmente, em menos de um mês, eles não ocupam mais as salas principais de cinema no Brasil. A preferência do público por blockbusters como Harry Potter, The Lord of The Rings ou Star Wars em tempos nos quais MPB não é mais consumida por um grande número de pessoas é avassaladora. Como consequência, a oferta de cinemas que exibiam o documentário de Miguel Faria Jr. era bem reduzida em uma cidade grande como São Paulo (4 cinemas ao todo!) em pleno final de dezembro.
 Ingressos comprados, assentos tomados, quase prontos para o início de mais uma experiência cinematográfica, exceto... a falta de educação de mais da metade do público da sala de cinema, que foram ao Cine Belas Artes para ver o Pop Star Chico Buarque, não o artista Chico Buarque, o escritor Chico Buarque, o homem público Chico Buarque. Órfãos de turnês extensas do cantor e compositor de "A Banda", mais da metade das pessoas que estavam ali se comportavam como se estivessem em uma casa de shows: falando alto, comentando o filme como se fosse uma partida de futebol ou a novela da Rede Globo. Se houvesse um garçom, bebidas seriam requisitadas em um pronto estalar de dedos e os meus instintos mais antissociais e psicopatas poderiam aflorar dentro de uma sala do Cine Belas Artes. Fui contido. Ainda bem.

Estes motivos seriam suficientes para que eu esperasse Chico – Artista Brasileiro sair em DVD e eu pudesse assistir cada detalhe na santa tranquilidade do meu HD e no silêncio do meu quarto. No entanto, resolvi enumerar alguns motivos, digamos, mais técnicos para justificar minha falta de vontade de voltar a assistir esta película no cinema:

1) A pobreza de depoimentos da família de Chico Buarque
Apesar do documentário focar na trajetória artística de Chico, há um pecado mortal em não termos nenhuma espécie de testemunho de sua ex-mulher, Marieta Severo, e de suas filhas e de seus netos. A única presença familiar que concedeu depoimento para Chico – Artista Brasileiro foi de Miúcha, sua irmã mais velha.


2) A ausência sentida de vários parceiros e intérpretes de Chico
Como Francis Hime, Luiz Cláudio Ramos e Paulo Pontes foram esquecidos / ignorados em uma ocasião tão simbólica? Nara Leão, Bibi Ferreira e Maria Bethânia - intérpretes significativas da obra de Chico – mal aparecem no filme; Elis Regina, Gal Costa, Fafá de Belém, Elza Soares, Simone, Cauby Peixoto, Marisa Monte, Cida Moreira e outras foram sumariamente ignoradas.

3) A presença desnecessária de certas interpretações da obra de Chico
Em primeiro lugar, não consigo conceber o porquê de uma cantora de nacionalidade portuguesa ter que interpretar a obra de um artista brasileiro com tanta cantora brasileira de calibre e envergadura dando sopa por aí! A presença de Carminho em DOIS números do documentário de Miguel Faria Jr. é completamente desnecessária: as canções de Chico se tornam em dois lamentos lusitanos sofridos, que nos faz ter saudades de Amália Rodrigues. A escolha de Moyséis Marques e Péricles para interpretar dois dos sambas mais importantes do repertório buarqueano - "Mambembe" e "Estação Derradeira" - ao sabermos que existem sambistas experientes como Zeca Pagodinho e Diogo Nogueira foi, no meu ver, leviana.

Milton Nascimento ao lado da cantora portuguesa Carminho


4) Os inevitáveis cortes no documentário
Fiquei bem triste ao saber que Laila Garin tinha gravado uma versão para "Bastidores", uma das canções mais belas de Chico. Uma baixa dessas diante de dois números com Carminho é, no mínimo, de gosto duvidoso...

5) O incentivo à "Chicolatria"
Chico - Artista Brasileiro, apesar de possuir momentos de puro humor, peca por, indiretamente, incitar a clássica "Chicolatria" por parte daqueles que se interessam pelas peripécias do Sr. Buarque. Ele é digno de nossa admiração e de nosso respeito, não de nossa idolatria cega, tal qual da metade das pessoas que estavam na sala de cinema na noite em que eu estava lá...

Entretanto, as duas longas horas do filme de Miguel Faria Jr. possuem alguns aspectos encantadores, que valem a ida ao cinema e não poderíamos deixar de apontar aqui. Vamos enumerar um por um?

1) A quebra de alguns mitos populares em torno da figura de Chico Buarque
Sempre fomos levados a crer que Chico era um homem tímido, que detesta fazer shows e etc e tal. Não necessariamente: conhecido pelos familiares como "showboy" quando criança, o Sr. Buarque realmente não é muito dado a longas temporadas para promover seus discos. Além do mais, o extremo humor é muito mais aparente do que a aparente timidez do artista.


2) Alguns números musicais do documentário
Miguel Faria Jr. conseguiu fazer algumas escolhas bastante acertadas para as interpretações que aparecem em Chico - Artista Brasileiro: Ney Matogrosso fez uma releitura emocionante de "As Vitrines" (inédita na sua voz até a realização desta película); Mônica Salmaso fez uma interpretação pungente de "Mar & Lua"; Mart'nália & Adriana Calcanhotto protagonizaram com perfeição o roteiro amoroso meio tortuoso, meio bem-humorado de "Biscate" ao sugerir uma relação entre duas mulheres; Laila Garin me emocionou ao retratar a mãe cruel de "Uma Canção Desnaturada".

Ney Matogrosso em uma das interpretações mais bonitas de toda a sua carreira...

3) As imagens de arquivo
Rever algumas imagens de arquivo e assistir outras raridades, tais como as fotos da montagem censurada de Calabar - O Elogio da Traição, imagens de D. Maria Amélia Buarque de Hollanda indo cumprimentar o filho famoso no palco no auge da era dos festivais ou algumas raríssimas filmagens de Chico durante o seu exílio em Roma já valeram a película de Miguel Faria Jr.


4) Um breve olhar sobre o Chico Buarque escritor
Os momentos do filme de Miguel Faria Jr. nos quais Chico comenta o ofício tardio da Literatura (ele começou a escrever seu primeiro romance, Estorvo, em 1989) e a repercussão diante de seus romances é algo infinitamente interessante. Alguns trechos de suas longas narrativas foram barrados pela já saudosa voz de Marília Pêra. Vale a pena conhecer esta faceta menos óbvia do Sr. Buarque...


5) A busca pelo irmão alemão
Um dos tabus mais latentes dos Buarque de Hollanda foi o fato de que o patriarca da família, o lendário historiador, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo Sérgio Buarque de Hollanda teve um filho com uma alemã durante a sua breve estadia em Berlim durante o período compreendido entre 1929-1930. Sérgio Günther (1930-1981), o irmão alemão de Chico Buarque, foi objeto de buscas do irmão brasileiro famoso e inspiração para o quinto romance de Chico. Miguel Faria Jr. nos mostra o processo de investigação para o encontro do paradeiro de Günther, que era cantor e apresentador de TV, com direito a um clipe do filho desaparecido do autor de Raízes do Brasil cantando para a TV alemã nos anos 1960. O que mais me impressionou foi a semelhança entre pai e filho, para deleite dos investigadores e de todos nós, espectadores.


Entre as perdas e ganhos de Chico – Artista Brasileiro, ficamos no zero a zero. Como critério de desempate, sugiro que as salas de cinema sejam a segunda opção para um provável DVD com extras e envolto em um belo package elegante, bem como merece a obra do Sr. Buarque. Assim, poderemos deleitar a beleza de sua poesia no melhor canto jamais inventado: no conforto e no sossego de nosso lar. Afinal, sem a presença de ninguém para perturbar a sua experiência fílmica, a tela do HD sempre será uma opção mais cômoda e reconfortante.


Um comentário:

  1. Belo post, Viny! Muito agradecido por nos adiantar alguns pontos altos do filme e alertar sobre algumas falhas, mesmo que de ordem meramente técnica ou que possam ser atribuídas ao diretor (rsrs).
    Sem dúvida vou esperar o DVD. Sou avesso ao programa "ir ao cinema", desde a fila pra compra do ingresso até o comportamento da platéia que invariavelmente é mal educada.
    Chico é dessas figuras já folclóricas e certamente merece um documentário por ano (rsrs, será que é pedir muito?).

    Grande abraço.

    Wes.

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