A
CIÊNCIA DA BURRICE E AS NOSSAS LUTAS INGLÓRIAS
Para Denise Stoklos
e Nara
Leão,
dois estandartes da inteligência e da
liberdade
"Tem
tanto burro mandando
Em
homens de inteligência
Que, às vezes, fico pensando
Que a burrice é uma ciência"
Que, às vezes, fico pensando
Que a burrice é uma ciência"
(Guto
& Mariozinho Rocha - "Cabra Macho" - canção interpretada
brilhantemente por Nara Leão em seu
disco Nara, de 1967)
"Haven't you heard it's a battle of words
the poster bearer cried
Listen son, said the man
with the gun
There's room for you inside
(...)"
(Roger Waters & Richard
Wright - "Us and Them" - uma das faixas do lendário album The
Dark Side of the Moon, lançado pelo Pink
Floyd em 1973)
"Será
que nunca faremos senão confirmar
A
incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos"
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir
Por mais zil anos"
(Caetano Veloso - "Podres
Poderes" - canção que abre o seu álbum Velô, de 1984)
Lembro muito bem de ter lido um ensaio muito famoso
de Roberto Schwarz na época em que fazia minhas pesquisas para o Mestrado. O
texto afirmava com uma exatidão notável de que na década de 1960, em meio a uma
ditadura que florescia a olhos vistos, a classe artística e intelectual do Brasil
estava "irreconhecivelmente inteligente". Schwarz estava certíssimo:
seu pensamento serviu (e ainda nos serve) como referência para pensar um país
tão complexo e contraditório como o nosso.
No entanto, o pensamento que melhor traduz a
desordem mental e intelectual de uma boa parcela dos brasileiros é o do já
saudoso ensaísta, escritor e intelectual Umberto Eco. O autor de O Nome da Rosa
disse, sem rodeios, de que as redes sociais ampliam o pensamento e as vozes dos
imbecis. Tempos inglórios estes que reproduzem o pensamento de uma elite e de
uma mídia infinitamente conservadora e sórdida que se assemelham ao caos vivido
por muitos de nós nos anos 1960. Porém, há uma diferença aterradora: a
inteligência dos tempos de outrora passou longe de uma boa parcela da
sociedade...
O Brasil enfrenta uma das crises políticas mais
graves de sua história. A Presidente Dilma Rousseff corre o risco de ser
impedida de governar oficialmente devido a acusações de ter infringido a lei de
responsabilidade fiscal. Julgada por uma Câmara dos Deputados majoritariamente
corrupta, que se comporta como paladinos da moralidade, da decência e da
honestidade, muitos desses Senhores não só nos representam mal, como estão
preocupados com seus próprios interesses. Quando vejo a TV Câmara, com o
desfile de hipócritas falando sobre corrupção, vejo o quanto uma canção
interpretada por Nara Leão no auge da ditadura militar continua de uma
atualidade impressionante: é muito fácil ser "cabra macho" e acusar
os outros; difícil mesmo é ser homem e assumir os crimes cometidos e revelar o
seu rabo preso.
Para piorar, a grande mídia brasileira -
assumidamente partidária e controlada por menos de DEZ famílias ricas - se
levanta assumidamente contra aqueles que pretendem dar um golpe na democracia
brasileira. Eu me pergunto ATÉ QUANDO teremos que cantar canções que tratam do
egoísmo daqueles que se refestelam no poder, da incompetência dos tiranos que
querem fazer do Brasil um país mais desigual, que não dá oportunidades para
todos os seus habitantes? O papel dos meios de comunicação brasileiros é
determinante neste processo, visto que eles advogam em causa próprias, em prol
dos corruptos e não de uma pessoa idônea, que nunca se beneficiou dos seis anos
na Presidência da República. Os jornais e a TV manipulam as informações e dão
ampla sustentação a um impeachment travestido de golpe de estado que pode
comprometer a democracia de maneira fatal. Veículos de peso como a Folha de S.
Paulo possuem entre seus colunistas indivíduos de moral baixa e vergonhosa como
Reinaldo Azevedo e Kim Kataguiri. Enquanto isso, muitos repetem o eternamente
viciado discurso midiático formulado pela canalhice de dois ou três como
cassandras robotizadas e inconscientes da gravidade dos fatos.
O clima de ódio e agressividade passa a tomar conta
das manifestações políticas de uma maneira muito nociva. Ao ponto de nomes como
Chico Buarque de Hollanda, um eterno defensor da democracia e da liberdade de
expressão, chegar a ser infinitamente enxovalhado em praça pública, pela mídia
golpista e nas redes sociais. Como dizia a famosa canção de Rita Lee &
Roberto de Carvalho, eternizada pela voz de Elis Regina: hoje vivemos tempos de
"muita patrulha" e "muita bagunça", nos quais torna-se
difícil de encontrar a verdade dos fatos. Os inegáveis erros dos governos
petistas (corrupção de membros do governo, coerência, falta de medidas de
"esquerda") acabam falando mais alto do que os indiscutíveis acertos
das administrações de Lula e Dilma.
A burrice se tornou uma constante de uma parcela
maciça da esfera pública. A criação do maior número de universidades federais,
a inclusão social que gerou uma diminuição expressiva da fome no Brasil e a
ascensão das classes C, D e E, a garantia de alguns direitos das minorias são
algumas das conquistas dos governos do PT que foram sumariamente ignoradas por,
pelo menos, metade da população brasileira. Por outro lado, os governos de
oposição - especialmente os do PSDB - não recebem o julgamento de uma significativa
parcela da mídia e da sociedade. Alguns exemplos deste fato no Sudeste devem-se
ao descaso do governo Alckmin com os transportes, a educação e os bens
culturais: nenhum afiliado tucano foi julgado pelos envolvimentos no Tremsalão,
as escolas estaduais se encontram em um estado deplorável, dois centros
culturais importantíssimos sofreram incêndios e não temos a menor perspectiva
de termos acesso ao Museu da Língua Portuguesa e ao Auditório do Memorial da
América Latina. O que podemos dizer dos mais de 20 museus fechados no RJ em
prol do Museu do Amanhã, construído só para inglês ver? Esperamos até hoje
que os responsáveis pela tragédia de Mariana (MG) sejam devidamente punidos
pelas autoridades...
Junto com a burrice das instituições, a hipocrisia se
destaca de maneira impressionante. Os redutos da elite desejam dar o tom de um
pensamento único neste país, sem direito de exercer qualquer espécie de
discórdia. O fascismo generalizado progride através de um conservadorismo
atroz. Este texto é um apelo para que a esfera pública não se permita abater
pela burrice, ciência que deveria ser estudada e entendida a ponto de que os
erros do passado não sejam repetidos no presente e comprometam o futuro. Para
os que não compreendem a importância da democracia e não entendem a importância
do lado escolhido por mim, deixo uma frase do diretor e encenador teatral
Gerald Thomas como mensagem direta: "Joguem essas pedras, meus amores!
Precisamos delas!". Não tememos o preço de levantar nossas vozes dissonantes
a favor das lutas inglórias e a favor da liberdade e da democracia...
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