ARETHA
FRANKLIN – ARETHA IN PARIS (1968)
Enquanto os franceses estavam tomando as ruas para fazer as
grandes revoluções e tentar derrubar o então presidente Charles de Gaulle do
poder, a bela Aretha Louise Franklin, de 26 anos, estava levando a sua
revolução para um dos palcos mais célebres da capital francesa: o Olympia de Paris.
Recém-saída de uma grande gravadora – a Columbia, que não tinha
explorado o potencial da filha do Reverendo Franklin como deveria – Aretha
modernizou sua imagem e passou a cantar Soul Music da melhor qualidade. A
Atlantic Records lhe deu a chance de gravar três discos que lhe
renderam hit singles de relativo sucesso e que, finalmente,
apresentaram o que aquela jovem de vinte e poucos anos tinha de oferecer ao
planeta.
Aretha in Paris reúne o sensacional repertório que Aretha
Franklin gravou em seus três primeiros trabalhos na Atlantic: o seminal I
Never Loved a Man The Way I Loved You (1967), o menos conhecido (e não menos importante) Aretha Arrives (1967) e o ES-SEN-CI-AL Lady
Soul (1968). O canto de Aretha (alto, límpido, rascante,
intenso, dramático) cresce a cada nota, a cada scat, a cada interpretação inconfundível que leva a assinatura de
uma artista que estava redefinindo as bases da música negra que se fazia no
planeta em 1968.
A banda que acompanha Aretha merece uma menção honrosa: além das
imprescindíveis vocalistas de apoio (Carolyn Franklin – uma das irmãs da
cantora -, Charnessa Jones e Wyline Ivey), que ofereciam o suporte necessário
para que Lady Soul pudesse fazer com o que o seu canto voasse bem alto, havia o
quarteto competentíssimo formado por Jerry Weaver (guitarra), Gary Illingworth
(Piano), George Davidson (Bateria) e Rodderick Hicks (Baixo) e um time de, nada
mais, nada menos do que OITO músicos que tocam instrumentos de sopro (sax
tenor, sax barítono, trompete, trombone…). Em um total de QUINZE músicos no
palco, todos eles estavam a serviço de uma das vozes mais belas e versáteis que
os Estados Unidos da América já ofertaram ao resto do mundo: a de Aretha
Franklin!
Ao ser anunciada para entrar no palco, os músicos começam a
tocar uma versão Soul de
“Satisfaction”, de Mick Jagger & Keith Richards, cuja letra e interpretação
não possuem muito a ver com as insinuações libidinosas que os Rolling Stones
deixavam claro no original. A releitura de Aretha, com metais em brasa, retira
a conotação sexual e dá a sugestão de uma garota insatisfeita sentimentalmente.
É a deixa perfeita para o próximo número “Don’t Let Me Lose This Dream”,
parceria de Franklin com seu primeiro marido, Ted White: uma canção romântica,
que fala de amor, que dá a oportunidade para que casais apaixonados se abracem
e comecem a dançar pelo salão…
Terceiro número: acorde prolongado da guitarra de Jerry Weaver
enquanto Aretha introduz, via vibratos, o primeiro verso de “Soul Serenade”, de
Luther Dixon e Curtis Ousley: “Only you can hear my soul serenade”… Logo após,
os metais entram discretamente, enquanto o quarteto prossegue com a batida e
provocando, surpreendentemente, palmas do público. Na medida em que a canção
evolui, os metais são soprados cada vez mais alto e Lady Soul, sem se intimidar,
vai cantando com mais energia e volume, com mais e mais scats e fazendo vibrar cada
sílaba da canção, fazendo de suas releituras obras-primas, principalmente por
se tornarem irreconhecíveis em relação ao original. O mesmo processo ocorre no
número seguinte, o soturno blues
“Night Life”, de Willie Nelson, no qual Aretha consegue arrancar aplausos da
plateia em cena aberta devido à intensidade de sua interpretação. Depois destes
números, o público parisiense já estava literalmente nas mãos da filha do
Reverendo Franklin.
A próxima faixa do disco foi o único hit single de Aretha Arrives: “Baby I Love You”,
de Ronnie Shannon, autor de outro clássico da Rainha do Soul que trataremos
logo a seguir. Com direito a metais em brasa e as vocalistas de apoio cantando
e dançando num jogo que complementava a interpretação de Franklin, é um dos
números mais dançantes do show do Olympia! Logo depois, o álbum segue com a
releitura que Aretha fez para “Groovin” – que fez sucesso com The Young Rascals
e com o Booker T. & the M.G’s em 1967 – em Lady Soul.
O Lado A de Aretha
in Paris se encerra com uma das criações mais emblemáticas do repertório
da canção de todos os tempos: “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman”,
parceria do casal Carole King e Gerry Goffin a partir de uma ideia do produtor
de Aretha na Atlantic Records, Jerry Wexler. A canção, que se tornou um hino do
feminismo moderno (pois retratar o sentimento amoroso feminino em uma década na
qual normas de comportamento estavam sendo revistas) faz parte do repertório de
Lady Soul e se
tornou em uma das marcas registradas do trabalho de Aretha Franklin.
O Lado B do primeiro registro ao vivo de Aretha Franklin em
disco se inicia com uma versão eletrizante de “Come Back Baby”, de Ray Charles,
mais um número rápido com direito a arranjos de sopros incandescentes e vocais
de apoio frenéticos. O show prossegue com Aretha sentada ao piano para tocar
mais uma pareceria dela com Ted White, o pérfido blues “Dr. Feelgood (Love is a Serious Business)”, com direito a
alguns grunhidos, scats lancinantes e
interações com as vocalistas de apoio e com a própria plateia.
Mais uma faixa de Lady
Soul coloca
o show em um ritmo frenético e alucinante: “(Sweet Sweet Baby) Since You’ve
Been Gone”, outra parceria de Aretha Franklin e Ted White, é outra canção que
não deve ter deixado nenhuma pessoa no Olympia imóvel em seus assentos na
medida em que a Rainha do Soul revela em pouco menos de dois minutos e meio. O
final do disco reserva mais três pérolas que redefiniram a imagem e o som de
Aretha; mais do que isso: trata-se de uma trinca de ases que fizeram da filha
do Reverendo Franklin uma das maiores personalidades da música universal dos
últimos tempos.
A primeira delas, “I Never Loved a Man (The Way I Love You)”,
refaz uma das gravações mais emblemáticas de Aretha Franklin. A letra e melodia
de Ronnie Shannon, na qual Aretha relata – com seu fraseado indefectível – os
desencontros e as desventuras amorosas com o objeto de seu desejo, é uma das
canções mais belas de todo o repertório da Soul
Music. A segunda é a demolidora “Chain of Fools”, de Don Covay, cuja versão
original também é de Franklin e está no emblemático Lady Soul, foi suficiente
para incendiar a plateia e quem estiver ouvindo Aretha in Paris em qualquer parte do mundo.
A última das três é a ultra incendiária releitura de “Respect”,
clássico de Otis Redding, que se tornou um dos emblemas mais significativos da
liberação feminista no final dos anos 1960. A interpretação que Aretha Franklin
deu para a canção é extremamente marcante pelo fato de que, na versão de
estúdio, a Rainha do Soul, ao lado de suas irmãs de Erma e Carolyn, fizeram do
estribilho original “But all I’m askin’ is for a little respect when I come
home” algo inteiramente explosivo ao incluir ideias como a repetição da
expressão “Sock it to me” (que, em Português, significa algo como “Pode me
encarar, não tenho medo de você) e das letras da palavra RESPECT
exasperadamente, com o intuito de vencer o algoz pelo cansaço, talvez.
O disco chega ao fim com a certeza de ter registrado uma das
maiores cantoras de todos os tempos no auge de sua forma e de seu talento. A
Aretha Franklin que o mundo ouvia em 1968 era uma cantora de Soul Music que tinha todo um background
de cantora de Jazz e de standards e
de uma infância na qual aprendeu o seu ofício (ou o seu dom divino, segundo a
própria cantora) dentro do universo Gospel
da Igreja na qual seu pai era Reverendo. Sem deixar de estar atenta às
tendências musicais que ocorriam no ambiente musical de sua geração (Willie
Nelson, Ray Charles, Otis Redding, The Rolling Stones) e de compor belas
canções, Aretha tinha se tornado em uma das artistas mais modernas e ousadas de
todos os tempos.
Aretha in Paris é um dos títulos mais importantes da discografia de
Miss Franklin não apenas por ser um retrato de uma artista no melhor do
exercício de seu ofício. Ao contrário do que foi dito sobre este disco na
época, é um trabalho que deve ser ouvido e reouvido mais vezes por se tratar de
um item raro e esgotado nas lojas de discos e para que as pessoas possam se
lembrar e/ou saibam como são os princípios do bel-canto sem levar em
consideração os enlatados que os reality shows tentam nos fazer digerir goela
abaixo.
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