30 de novembro de 2016

DISCOS DE VINIL # 9

ARETHA FRANKLIN – ARETHA IN PARIS (1968)


Enquanto os franceses estavam tomando as ruas para fazer as grandes revoluções e tentar derrubar o então presidente Charles de Gaulle do poder, a bela Aretha Louise Franklin, de 26 anos, estava levando a sua revolução para um dos palcos mais célebres da capital francesa: o Olympia de Paris.
Recém-saída de uma grande gravadora – a Columbia, que não tinha explorado o potencial da filha do Reverendo Franklin como deveria – Aretha modernizou sua imagem e passou a cantar Soul Music da melhor qualidade. A Atlantic Records lhe deu a chance de gravar três discos que lhe renderam hit singles de relativo sucesso e que, finalmente, apresentaram o que aquela jovem de vinte e poucos anos tinha de oferecer ao planeta.
Aretha in Paris reúne o sensacional repertório que Aretha Franklin gravou em seus três primeiros trabalhos na Atlantic: o seminal I Never Loved a Man The Way I Loved You (1967), o menos conhecido (e não menos importante) Aretha Arrives (1967) e o ES-SEN-CI-AL Lady Soul (1968). O canto de Aretha (alto, límpido, rascante, intenso, dramático) cresce a cada nota, a cada scat, a cada interpretação inconfundível que leva a assinatura de uma artista que estava redefinindo as bases da música negra que se fazia no planeta em 1968.



A banda que acompanha Aretha merece uma menção honrosa: além das imprescindíveis vocalistas de apoio (Carolyn Franklin – uma das irmãs da cantora -, Charnessa Jones e Wyline Ivey), que ofereciam o suporte necessário para que Lady Soul pudesse fazer com o que o seu canto voasse bem alto, havia o quarteto competentíssimo formado por Jerry Weaver (guitarra), Gary Illingworth (Piano), George Davidson (Bateria) e Rodderick Hicks (Baixo) e um time de, nada mais, nada menos do que OITO músicos que tocam instrumentos de sopro (sax tenor, sax barítono, trompete, trombone…). Em um total de QUINZE músicos no palco, todos eles estavam a serviço de uma das vozes mais belas e versáteis que os Estados Unidos da América já ofertaram ao resto do mundo: a de Aretha Franklin!


Ao ser anunciada para entrar no palco, os músicos começam a tocar uma versão Soul de “Satisfaction”, de Mick Jagger & Keith Richards, cuja letra e interpretação não possuem muito a ver com as insinuações libidinosas que os Rolling Stones deixavam claro no original. A releitura de Aretha, com metais em brasa, retira a conotação sexual e dá a sugestão de uma garota insatisfeita sentimentalmente. É a deixa perfeita para o próximo número “Don’t Let Me Lose This Dream”, parceria de Franklin com seu primeiro marido, Ted White: uma canção romântica, que fala de amor, que dá a oportunidade para que casais apaixonados se abracem e comecem a dançar pelo salão…


Terceiro número: acorde prolongado da guitarra de Jerry Weaver enquanto Aretha introduz, via vibratos, o primeiro verso de “Soul Serenade”, de Luther Dixon e Curtis Ousley: “Only you can hear my soul serenade”… Logo após, os metais entram discretamente, enquanto o quarteto prossegue com a batida e provocando, surpreendentemente, palmas do público. Na medida em que a canção evolui, os metais são soprados cada vez mais alto e Lady Soul, sem se intimidar, vai cantando com mais energia e volume, com mais e mais scats e fazendo vibrar cada sílaba da canção, fazendo de suas releituras obras-primas, principalmente por se tornarem irreconhecíveis em relação ao original. O mesmo processo ocorre no número seguinte, o soturno blues “Night Life”, de Willie Nelson, no qual Aretha consegue arrancar aplausos da plateia em cena aberta devido à intensidade de sua interpretação. Depois destes números, o público parisiense já estava literalmente nas mãos da filha do Reverendo Franklin.
A próxima faixa do disco foi o único hit single de Aretha Arrives: “Baby I Love You”, de Ronnie Shannon, autor de outro clássico da Rainha do Soul que trataremos logo a seguir. Com direito a metais em brasa e as vocalistas de apoio cantando e dançando num jogo que complementava a interpretação de Franklin, é um dos números mais dançantes do show do Olympia! Logo depois, o álbum segue com a releitura que Aretha fez para “Groovin” – que fez sucesso com The Young Rascals e com o Booker T. & the M.G’s em 1967 – em Lady Soul.
O Lado A de Aretha in Paris se encerra com uma das criações mais emblemáticas do repertório da canção de todos os tempos: “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman”, parceria do casal Carole King e Gerry Goffin a partir de uma ideia do produtor de Aretha na Atlantic Records, Jerry Wexler. A canção, que se tornou um hino do feminismo moderno (pois retratar o sentimento amoroso feminino em uma década na qual normas de comportamento estavam sendo revistas) faz parte do repertório de Lady Soul e se tornou em uma das marcas registradas do trabalho de Aretha Franklin.
O Lado B do primeiro registro ao vivo de Aretha Franklin em disco se inicia com uma versão eletrizante de “Come Back Baby”, de Ray Charles, mais um número rápido com direito a arranjos de sopros incandescentes e vocais de apoio frenéticos. O show prossegue com Aretha sentada ao piano para tocar mais uma pareceria dela com Ted White, o pérfido blues “Dr. Feelgood (Love is a Serious Business)”, com direito a alguns grunhidos, scats lancinantes e interações com as vocalistas de apoio e com a própria plateia.
Mais uma faixa de Lady Soul coloca o show em um ritmo frenético e alucinante: “(Sweet Sweet Baby) Since You’ve Been Gone”, outra parceria de Aretha Franklin e Ted White, é outra canção que não deve ter deixado nenhuma pessoa no Olympia imóvel em seus assentos na medida em que a Rainha do Soul revela em pouco menos de dois minutos e meio. O final do disco reserva mais três pérolas que redefiniram a imagem e o som de Aretha; mais do que isso: trata-se de uma trinca de ases que fizeram da filha do Reverendo Franklin uma das maiores personalidades da música universal dos últimos tempos.
A primeira delas, “I Never Loved a Man (The Way I Love You)”, refaz uma das gravações mais emblemáticas de Aretha Franklin. A letra e melodia de Ronnie Shannon, na qual Aretha relata – com seu fraseado indefectível – os desencontros e as desventuras amorosas com o objeto de seu desejo, é uma das canções mais belas de todo o repertório da Soul Music. A segunda é a demolidora “Chain of Fools”, de Don Covay, cuja versão original também é de Franklin e está no emblemático Lady Soul, foi suficiente para incendiar a plateia e quem estiver ouvindo Aretha in Paris em qualquer parte do mundo.
A última das três é a ultra incendiária releitura de “Respect”, clássico de Otis Redding, que se tornou um dos emblemas mais significativos da liberação feminista no final dos anos 1960. A interpretação que Aretha Franklin deu para a canção é extremamente marcante pelo fato de que, na versão de estúdio, a Rainha do Soul, ao lado de suas irmãs de Erma e Carolyn, fizeram do estribilho original “But all I’m askin’ is for a little respect when I come home” algo inteiramente explosivo ao incluir ideias como a repetição da expressão “Sock it to me” (que, em Português, significa algo como “Pode me encarar, não tenho medo de você) e das letras da palavra RESPECT exasperadamente, com o intuito de vencer o algoz pelo cansaço, talvez.
O disco chega ao fim com a certeza de ter registrado uma das maiores cantoras de todos os tempos no auge de sua forma e de seu talento. A Aretha Franklin que o mundo ouvia em 1968 era uma cantora de Soul Music que tinha todo um background de cantora de Jazz e de standards e de uma infância na qual aprendeu o seu ofício (ou o seu dom divino, segundo a própria cantora) dentro do universo Gospel da Igreja na qual seu pai era Reverendo. Sem deixar de estar atenta às tendências musicais que ocorriam no ambiente musical de sua geração (Willie Nelson, Ray Charles, Otis Redding, The Rolling Stones) e de compor belas canções, Aretha tinha se tornado em uma das artistas mais modernas e ousadas de todos os tempos.


Aretha in Paris é um dos títulos mais importantes da discografia de Miss Franklin não apenas por ser um retrato de uma artista no melhor do exercício de seu ofício. Ao contrário do que foi dito sobre este disco na época, é um trabalho que deve ser ouvido e reouvido mais vezes por se tratar de um item raro e esgotado nas lojas de discos e para que as pessoas possam se lembrar e/ou saibam como são os princípios do bel-canto sem levar em consideração os enlatados que os reality shows tentam nos fazer digerir goela abaixo. 




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