16 de janeiro de 2016

TROVA # 65

  
UM E-MAIL PARA O HOMEM DAS ESTRELAS

Em memória de David Bowie (1947-2016)


Dear Mr. Bowie,

Permita-me uma breve apresentação: meu nome é Vinícius. Sou professor de línguas. Brasileiro. Vivendo a plenitude de um inferno astral que precede os meus 35 anos de idade, como bom aquariano. Já escrevi um livro e mantenho este blog sobre música. Minha percepção sobre música e arte mudou quando eu comecei a assistir a antiga MTV brasileira em meados dos anos 1990 e via os seus videoclipes. Desde então, sempre fiquei de olho no que o senhor estava fazendo de bom. Até o momento em que decidi te escrever...


Queria ter te escrito no dia 8 de janeiro de 2016, dia do seu último aniversário para te parabenizar pelos seus 69 anos. Infelizmente não consegui, por algumas questões paralelas, indignas de serem expostas aqui. Vi uma foto sua no Instagram da Iman bem vestido, com um sorriso bem largo, terno elegante, radiante como nunca e vi o quanto o senhor estava feliz e contente por completar mais um ano de vida e por lançar seu vigésimo-quinto álbum de estúdio. Achei menor deixar minhas palavras para o dia em que completasses sete décadas de vida neste planeta azul. Mas o destino veio e nos deu uma rasteira daquelas, né?


No dia seguinte, depois de ouvir seu Blackstar, fui ao cinema e depois saí para almoçar em um restaurante indiano. Enquanto esperava na fila do almoço que parecia não terminar nunca, comentei com amigos a respeito da sua boa forma artística e que seu disco era lindo. Lindíssimo. Profundo. Sensível. Recebi um convite de meu brother Fábio Bridges para escrever sobre o seu disco e aceitei lisonjeado e desesperado com a responsabilidade gigantesca de escrever sobre um lançamento. Escrever bem sobre o Senhor não é tarefa das mais fáceis. Principalmente sendo um estudioso. Principalmente quando não é a primeira vez que você escreve sobre a obra de alguém importante e que você nutre um profundo respeito. Principalmente quando muito já foi dito e escrito sobre ti e a sua obra. Principalmente quando a gente é fã. No entanto, "Boys keep swinging, boys always work it out", como você dizia lá no Lodger...


Eis que acordo na segunda-feira, 11 de Janeiro de 2016, abro o feed de notícias das redes sociais e vejo uma noticia que supostamente seria um boato. Ao ler tudo e confirmar que tudo fora endossado por seu filho Duncan, não nos restava dúvidas: David Robert Jones perdera a batalha da vida para o câncer após um ano e meio de luta secreta sem trégua; nosso herói nos deixara. E nem sequer se despediu de todos nós. O choque foi imenso. O choro foi instantâneo. A dor era incalculável. As mensagens chegavam de vários lugares do mundo sem parar. Não conseguia sequer pensar e escrever direito. David Bowie estava morto depois de 69 anos de convivência neste planeta. Um golpe que nem que Ziggy Stardust teria pensado...


Foi na segunda-feira mais maldita de todos os tempos, ao ouvir Blackstar, que eu percebi junto com o resto dos fãs do planeta de que, na verdade, o homem que nunca nos dizia bye bye, fez uma tentativa e tanto de se despedir de todos nós. O vigésimo-quinto álbum de David Bowie era o seu canto de despedida do público que o amou por quase cinco décadas ininterruptas. Os dois videoclipes eram encenações de um drama pessoal, de uma tragédia anunciada. A morte ronda os clipes da faixa-título do CD e de "Lazarus" e faz as honras da casa. Percebemos a gravidade de tudo quando era tarde demais, mas sem deixar de concluir o gênio que havia por trás do artista que conseguiu fazer do seu sofrimento mais intenso uma verdadeira obra de arte. Você já estava in heaven com todas as suas cicatrizes invisíveis quando percebemos o chamado... Ao contrário do personagem bíblico, não tinha a menor possibilidade do seu renascimento no quarto dia... Como diria a sua canção, hoje: "Now my death is more than just a sad song" [Agora minha morte é mais do que apenas uma canção triste]...


E o mundo, crente que senhor vivia o ápice dos seus golden years, se surpreendeu com a sua partida repentina em um rabo de foguete para desbravar os céus que ansiosamente te aguardavam para saber se realmente existe vida em Marte ou não. Afinal, tu foste, na verdade, um invasor do espaço, uma rock 'n' rolling bitch que veio para mudar os rumos da música, do comportamento e tudo que estivesse em volta. Cair aqui na Terra só para fazer alguns shows e discos por cinco aninhos em um planeta condenado com a possibilidade de fazer isso por quase cinquenta?! E ainda com o bônus de conhecer gente legal, provar de todos os clichês do trinômio sexo, drogas & Rock 'n' Roll com bastante intensidade? E ainda por cima ser casado com a modelo negra mais linda do mundo?! O senhor vai ter milhares de histórias para contar aí para as estrelas e fazer com que elas fiquem freaking out no seu moonage daydream, aposto...



A música de qualidade se tornou aquilo que o Senhor profetizava com o seu "DJ", de 1979: muita coisa boa veio daquilo que tocava nos seus discos, na sua trilogia de Berlim arrasadora, no seu convite irresistível para sair dançando, afinal nós ficamos face a face com o homem que vendeu o mundo por mais de 40 anos. O planeta Terra fica sem o mais elegante dos roqueiros ingleses, menos criativo, como uma slow burn permanente. Ficaremos uma verdadeira mess sem a sua honorável presença, mas teremos o seu legado para nos ajudar com a dor da sua ausência e para nós lembrarmos de que não estamos sozinhos. Sonho com um dia andar pela Av. Paulista, sempre tomada por covers de Elvis e Michael Jackson, tomada por covers do senhor, sabe? Quem sabe daqui a 30 anos vemos imitações distintas de David Bowie espalhados pela mais paulistana das avenidas? Seria uma bela utopia...
  

Decidimos que não vamos ficar apenas de luto pela sua partida prematura, Mr. Bowie. Temos feito várias comemorações, celebrando sua obra musical e cinematográfica. People on the streets, mas não para dizermos que estamos under pressure. Estamos nas ruas, nas praças, nos cinemas, nas livrarias e demais esferas do espaço público dançando com os nossos sapatos vermelhos imaginários para disseminar sua sound & vision pelos quatro cantos e agradecermos ao senhor por tudo que fizestes pela mentalidade deste planeta. A terra é azul e não havia nada a ser feito, o mundo era careta e muitos esforços foram feitos para que ele se tornasse melhor. Sua contribuição foi fundamental para que isso acontecesse...

Não quero mais me alongar, Sr. Bowie. Sei que o senhor deve ter milhares e milhares de correspondências para responder, por causa da sua mudança de endereço e ainda deves ser um absolute beginner na arte dos e-mails interestelares. Que tal aproveitar um pouco do seu tempo também para cantar a noite todinha, como em Lady Stardust? As estrelas ficariam loucas com o seu charme inconfundível. Ou então, fazer como o Thin White Duke e sair lançando dardos nos olhos apaixonados das stars? Elas nem sentiriam, eu te garanto... Agora o senhor vai ser o starman oficial a nos esperar aí no céu, pronto a fundir com as cucas dos presentes e dos que estarão por vir. Quando tiveres um tempinho e se puderes, é lógico, responda este carinhoso e-mail. Ou, se rolar uma permissão por parte do divino e ele te disser algo como: "Wake up you sleepy head / Put on some clothes, shake up your bed" para fazer uma visita por aqui, estaremos esperando com todo o carinho.


Descanse por ora, Mr. Bowie. Sua agonia foi longa. Seu sofrimento deve ter sido intenso. Como o bluebird de "Lazarus", estás finalmente livre de tudo isso. Turn and face the strange. Vai ser difícil para ti, tem sido difícil para nós, para sua família deve ter sido de uma dificuldade que não podemos calcular. O senhor foi o herói de muitos dos nossos dias e não apenas de um dia só. Muito obrigado por tudo!

Um forte abraço, com todo o amor, o carinho e a admiração do
Vinil


LEIA OS TEXTOS ESCRITOS SOBRE OS DISCOS DE DAVID BOWIE PARA O PEQUENOS CLÁSSICOS PERDIDOS:

[Blackstar] (2016)

Live in Santa Monica ’72 (2008)

Let’s Dance (1983)

Young Americans (1975)

Diamond Dogs (1974)

The Rise and Fall of Ziggy Stardust from Mars (1972)

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