PATTI SMITH –
BANGA (2012)
Patti
Smith é, sem a menor sombra de dúvidas, a mulher mais inteligente que já surgiu
no universo do Rock ‘n’ Roll. Não
canta como Janis Joplin ou Tina Turner; não tem o glamour punk/new-wave de Debbie Harry, não é tão agressiva e/ou
arrogante como Joan Jett e tampouco faz parte da tendência
diva-oportunista-rebolativa-comercial de Madonna, Taylor Swift, Beyoncé ou
Barbra Streisand.
Avessa
a estratégias de marketing que ditam as regras do mainstream fonográfico, Smith foi uma poetisa que adentrou os
portões do Olimpo do Rock por mero acaso e que se manteve distante dos clichês
regidos pelo trinômio Sexo, Drogas e Rock
‘n’ Roll.
Oriunda
de uma família de classe média baixa dos EUA sempre foi uma mulher simples e fiel
a seus princípios morais e às suas referências artísticas (Arthur Rimbaud,
Allen Ginsberg, Jimi Hendrix, Jim Morrison e Bob Dylan são algumas das
principais). Ao mesmo tempo em que se aventurou pela música, esta senhora que
completará 70 anos de idade em 30 de dezembro de 2016 sempre publicou livros de
poemas (Auguries of Innocence, de 2005 é o mais recente) e,
em 2010, publicou Just Kids (em português: Só
Garotos), livro que conta as suas memórias ao lado de seu grande amigo, o
fotógrafo e artista plástico Robert Mapplethorpe (1946-1989).
Sua
discografia, no entanto, merece comentários mais extensos do que meras menções
neste post: seu an-to-ló-gi-co (sim, separado por sílabas!) disco de estreia, Horses
(1975), é um dos discos mais importantes dos últimos tempos e seus demais
álbuns – Radio Ethiopia (1976), Easter (1978), Wave (1979), Dream of Life (1988),
Gone Again (1996), Peace & Noise (1997), Gung Ho (2000), Trampin’
(2004) e Twelve (2007)– são provas
definitivas de como a aliança entre poesia, Rock,
atitude, humildade e engajamento é algo que faz de Patti um verdadeiro
clássico, porém, às vezes, perdido: infelizmente são poucos os brasileiros que
conhecem o poder de fogo que Patti Smith lança através de suas performances
gravadas em discos e livros.
Banga
é o 13.º álbum lançado por Mrs. Smith (incluindo coletâneas e trabalhos de canções
inéditas). Concebido entre viagens de Patti pelo mundo, é um trabalho que
dialoga diretamente com Just Kids,
pois os dois projetos revelam ao grande público o universo particular de
Patricia Lee Smith: seus amores, seus ideais artísticos, sua íntima relação com
Mapplethorpe, seus olhares sobre o que aconteceu no mundo nos últimos cinco
anos, sua saudade dos que já se foram deste mundo… (Amy Winehouse, Johnny Depp,
Maria Schneider, Nikolai Gogol, Américo Vespúcio e Andrei Tarkovsky são alguns
dos homenageados por Patti Smith no disco.
A
coleção de 12 canções que compõe Banga fala das mais variadas formas de
viagem – relatos de um explorador (“Amerigo” – em homenagem a Américo
Vespúcio), voos literários e cinematográficos (“April Fool” e “Tarkovsky” –
tributos ao escritor russo Nikolai Gogol e ao cineasta russo Andrei Tarkovsky),
ondas devastadoras (“Fuji San” – Rock composto para homenagear o povo japonês,
seriamente abalado pelo terremoto e pelo tsunami que se abateu sobre o seu
território em 2011), baladas em homenagem a uma menina tristonha e a um ícone
da sétima arte (“This is the girl” e “Maria” foram compostas para homenagear a
cantora Amy Winehouse e a atriz Maria Schneider, mortas em 2011), um mosaico de
sons e outro caleidoscópio de imagens (“Mosaic” – que narra uma viagem de Patti
pela Turquia), uma ode ao astro de cinema e uma lullaby song para o querido afilhado (“Nine é uma homenagem a
Johnny Depp; já “Seneca” é um mini-diário de aventuras e conquistas
poético-musicais dedicado a Seneca Sebring), o projeto transcendental de um
velho italiano e o protesto do velho roqueiro canadense (o épico “Constantine’s
Dream” – de mais de 10 minutos – descreve um sonho que Patti teve em 1988 e uma
belíssima releitura de “After the Gold Rush”, de Neil Young, resgatando o
lamento de 1970 para as gerações que sofrem com os autoritarismos da espécie
humana em pleno século XXI)…
Estes
pares todos entremeados pelo latido intermitente de um cão (“Banga” é o nome do
cão do romance russo Magarita e o Mestre, de Mikhail Bulgákov) vindo
diretamente da ficção para nos avisar: “Believe
or Explode!” (Creia ou Exploda!).
Concebido
após o lançamento de seu livro de memórias, Banga
foi gravado no Electric Lady Studios (construído e popularizado por Hendrix) e
é mais uma colaboração de Patti, seus já habituais parceiros musicais (o
guitarrista Lenny Kaye, o baterista Jay Dee Daugherty e o baixista e tecladista
Tony Shanahan), alguns convidados especiais (Johnny Depp toca bateria e
guitarra na faixa-título; já Tom Verlaine, guitarrista do Television e velho
amigo de Smith, participa de “Nine”) e membros da família (Jackson Smith e
Jesse Paris Smith, frutos do casamento de Patti com o guitarrista do MC-5, Fred
“Sonic” Smith, tocam, respectivamente, guitarra e piano em algumas faixas deste
trabalho).
Há
pessoas (eu me incluo nesta lista!) que acreditam que Banga
é o melhor trabalho lançado por Patti Smith desde Easter.
Existem outros que dizem que este está entre os melhores discos lançados em
2012. Trata-se de um disco com referências poéticas mais evidenciadas pela
própria autora no encarte deste trabalho e que deixa a ferocidade do discurso
punk em segundo plano. De fato, é um disco que não carrega a agressividade tão
característica de trabalhos anteriores como Radio Ethiopia e os
gêmeos Gone Again e Peace & Noise,
mas ainda mantém Patti como um baluarte do Rock mundial e pode tornar seu
legado musical ainda mais perceptível para os jovens do século XXI que deveriam
conhecê-la e/ou ouvi-la com mais frequência.
É
preciso dizer que o primeiro disco de inéditas de Patti Smith nos anos 2010 não
deixa de ser um grande disco de Rock.
Afinal, ouvir música inteligente em tempos não tão inspirados como os nossos é
mais do que uma necessidade: é uma obrigação para o bem-estar dos seus
ouvidos... Como diria o mote deste disco: “Believe
or Explode”!
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