A
MÚSICA QUE NOS SALVA
“Desobediência é a solução
Contra a tirania de sua tradição
Sua chibata bate mas eu tô de pé”
(Eduardo Brechó & Jairo Pereira, 2017)
Os meus 20 e poucos anos foram
bastante intensos. E me deram ocasiões que me ensinaram bastante. Uma das
minhas favoritas aconteceu após um show de Rita Lee no Canecão, quando esperava
a musa para poder tirar uma foto com ela e ficar alguns segundos perto de uma
das artistas que mais influentes do Brasil. Rita, esfuziante e sorridente,
conversava com amigos e fãs e logo nos atendeu, para emoção de todos os que
estavam presentes. Meu encantamento foi ainda maior quando eu reparei que Ritz
estava vestida com uma camiseta escrita: “music saves” [a música nos salva].
Quando saí do Canecão, fiz da música
meu estandarte e meu cavalo de batalha intelectual: ela me acompanhou na
pós-graduação, na minha carreira enquanto professor, nas minhas pesquisas, no
meu blog, na minha vida. Ela me ajuda a achar respostas para vários dos meus
conflitos, me conforta, me dá alento. Especialmente em tempos nos quais a
democracia no Brasil e no mundo é desafiada por medidas impopulares, pelos ataques
aos direitos da sociedade e pela ascensão de lideranças profundamente
conservadoras.
*
A popularidade de 5% do Presidente
ilegítimo Michel Temer é o retrato perfeito da convulsão social que o Brasil
está prestes a se afundar se os direitos sociais continuarem a serem retirados
com a desculpa de que há um ajuste fiscal a ser feito. Não basta limitar os
gastos públicos em saúde e educação por vinte anos, o empresariado e a elite –
vingativa, por odiarem um governo que, apesar dos erros políticos crassos, fez
muito pelos pobres e pela classe média em 13 anos de governo – desejam sempre
mais: já regulamentaram a terceirização para todos as atividades profissionais
e querem aprovar uma reforma trabalhista e previdenciária sem mais nem menos.
Silvio Santos, procurado por Temer, aproveitou para mandar sua equipe realizar
comerciais de 30 segundos defendendo as reformas propostas pelo governo. Os
manifestantes sequer possuem o direito de protestar contra seus algozes dentro
do Congresso Nacional: são recebidos a pontapés, com balas de borracha e bombas
de gás lacrimogêneo pelas autoridades sem direito a qualquer espécie de
argumento...
Na lógica dos golpistas, o pobre
sempre é culpado, o menos favorecido é quem deve pagar. A lógica dos ilegítimos
ignora os bilhões de reais que as grandes corporações devem para a Previdência
Social, por exemplo. Enquanto o GAFE enlouquece com a manipulação de cada
delação premiada da Odebrecht para tapear o povo brasileiro, a razão para as “medidas
impopulares” fica cada vez mais clara: o “ajuste” serve para proteger os
empresários devedores de fortunas para o Estado, que perdoa suas dívidas para
poder explorar a classe trabalhadora ainda mais... Enquanto isso, e tome música
para preencher os espaços da casa, já que o noticiário é a ficção mais inútil
disponível no momento.
*
Enquanto isso, no Tucanistão (mais conhecida
como São Paulo ou Sampa, para os mais íntimos): os cidadãos veem um Prefeito
que transformou a sua gestão (não se enganem, beautiful people: a especialidade dele é marketing, não a gestão em si!) em um enorme reality show. Os cidadãos paulistanos tomam conhecimento dos feitos
pelo exercício do mandato através da promoção rasteira realizada pelas redes
sociais de um indivíduo que se diz apolítico, mas que toma decisões
extremamente políticas: defende o empresariado do qual ele faz parte, prejudica
os menos favorecidos, foi conivente com as intervenções de um dos vereadores da
câmara que visitou duas escolas com o intuito principal de intimidar os
professores da Secretaria Municipal da Educação, aumentou os valores das
passagens de ônibus mesmo com a qualidade terrível dos transportes da cidade, permitiu
o aumento de velocidade das Marginais Tietê e Pinheiros – causando o aumento
vertiginoso de acidentes e mortes por acidentes automobilísticos –, isso sem
mencionar as catástrofes permanentes na área cultural: extinção do Clube do Choro e dos turnos de 24h da
Biblioteca Mário de Andrade e a destruição dos grafites da avenida 23 de maio.
Pergunto: estas medidas foram benéficas para quem? Enquanto a resposta não
chega, a elite paulistana e os pobres de direita veem na figura do “PrefeiTOP”
o seu expoente mais perfeito...
Já o ilustre Governador do Estado de
São Paulo, eleito no auge da crise hídrica que quase matou os paulistas de sede
e acusado por corrupção nas “míticas” delações da Odebrecht, é responsável por
uma das linhas auxiliares do GAFE: a TV
Cultura, um dos canais mais respeitados do mundo por exibir uma programação
estupenda, apesar de exibir programas de entrevistas bastante tendenciosos e
noticiários com comentadores raivosos e simpáticos de ideologias fascistas. Uma
das polêmicas mais chocantes surgidas nos últimos dias foi à censura sofrida
pela banda Aláfia: ao se apresentarem no programa Cultura Livre, tocaram a canção “Liga nas de Cem”, na qual faz uma crônica
sensacional do ódio das elites paulistanas pelos mais pobres e dá nome aos bois
ao citar Alckmin e Dória no final da letra. A apresentadora Roberta Martinelli
e os músicos fizeram barulho diante do corte hediondo. O lado bom da polêmica
foi fazer com que a Aláfia se tornasse mais conhecida diante deste caos
polarizado no qual vivemos. E a música continua nos salvando da mediocridade do
Tucanistão...
*
E o Dia de São Jorge de 2017 ficou
mais triste com a partida de uma das vozes mais importantes da Jovem Guarda:
Jerry Adriani partiu para outro plano aos 70 anos de idade, vítima de um câncer.
Mesmo sofrendo as dores da doença, Jerry se apresentou ao vivo cantando para as
multidões do Brasil até um mês antes de morrer. A música lhe salvou da dor e
lhe trouxe uma espécie de alento para um sofrimento sem fim. Apesar de não ser
fã, fiquei comovido com sua história e com a sua força diante dos fatos – não desistiu
de sua carreira em um momento sequer, seguiu em frente enquanto pôde.
Que os brasileiros encontrem
inspiração no exemplo de Jerry Adriani para seguir resistindo por seus direitos
e consiga parar o país na Greve Geral programada para o dia 28 de abril de
2017. Afinal, vejo que a luta contra aqueles que não nos representam no
Congresso Nacional e à elite ignorante e egoísta parece não ter fim...
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