CONSTRUÇÃO &
RUÍNA
“Aqui
tudo parece que é ainda construção e já é ruína”
(Caetano Veloso, 1991)
O Brasil comemora o chamado Dia do Índio todo dia 19 de abril. Diante de mais cinco séculos em
que nossos nativos são massacrados pelo homem branco, me pergunto o porquê das
escolas ainda insistirem em fantasiar as crianças pequenas de cocar e tapume.
Ao ver fotos do meu sobrinho carioca vestido de indígena ao voltar da
escolinha, não deixo de esconder meu encantamento, pois Arthurzinho é o maior
orgulho que este Tio babão poderia ter – afinal, em matéria de criança, não
consigo ser tão amargo assim. Por outro lado, ao assistir as notícias pela TV e
pelas redes sociais, meu encantamento ao ver os pequenos fazendo as “devidas
homenagens” vai por água abaixo.
Tudo começou com um sim. Os nativos brasileiros foram
encontrados por Pedro Álvares Cabral e sua turma e aceitaram o primeiro contato
pacífico com os lusitanos achando que tudo seria uma verdadeira maravilha. Ao
aceitarem espelhos e outras iguarias em troca das riquezas que esta terra tinha
a oferecer, deu-se início a uma série de barbárie contra o povo indígena que
não teve mais fim: é de conhecimento público que os índios foram saqueados,
escravizados, explorados e mortos. Além disso, suas terras foram roubadas para
garantir o progresso da pátria que florescia para os olhos da Coroa. Diante do
genocídio da população indígena, fica até difícil acreditar que todo dia era
realmente dia de índio.
A chamada nação brasileira foi construída a partir da ruína
do povo indígena e da ruína moral daqueles que passaram a comandar esta terra
infeliz. Os políticos brasileiros não têm tratado os indígenas com o devido
respeito: enquanto celebridades da extrema direita alegam que os índios são
improdutivos em relação à produção agrícola brasileira, a FUNAI (Fundação
Nacional do Índio) sequer defende os nativos dos ruralistas que impedem a
reforma agrária e concentram uma quantidade indescritível de riquezas.
Diante da violência
contra o seu povo, o índio não quer apito não, ele apenas quer a terra, o seu
direito de existir sem ter sua integridade em risco. Em uma recente
manifestação em Brasília, o comitê de recepção aos protestantes indígenas foi
composto por cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Com a nomeação do novo
presidente da FUNAI em maio de 2017, a bancada ruralista do Congresso Nacional
encontrou um representante e tanto para a garantia dos interesses dos
latifundiários. Ao viver em uma democracia cada vez mais combalida e doente,
tentei até chorar de ódio pelos indígenas, mas não consegui.
Uma campanha que ainda pode trazer esperança para os poucos índios
que ainda sobraram para contar história chama-se “Demarcação Já!", uma
homenagem realizada por mais de 25 artistas da música brasileira aos povos
indígenas do Brasil. A letra de Carlos Rennó, a música de Chico César e a
direção de André D’Élia ressaltam que os nativos merecem os mesmos direitos que
os demais cidadãos brasileiros merecem: ter a sua terra e ter o seu direito à
vida garantido.
Caso estes direitos sejam extintos, a única coisa pela qual
eu possa desejar é o surgimento de um índio tal qual a canção emblemática de
Caetano Veloso: que ele venha de uma estrela colorida, brilhante em uma
velocidade estonteante, preservado em pleno corpo físico, impávido como Ali,
apaixonado como Peri, tranquilo e infalível como Bruce Lee. Que ele nos ensine
e nos diga o necessário para que os brasileiros vivam em estado de igualdade, o
que deveria ser claro ou exótico e nunca esteve oculto, o que deveria ser
óbvio, mas que infelizmente não é...
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