17 de maio de 2017

TROVA # 125

MINHA TV FOI PARA SANTANA DO AGRESTE
(OU assistindo as reprises de Tieta)
(OU a única coisa 100% relevante em matéria de teledramaturgia no momento)


Tieta do Agreste
Lua cheia de tesão
É lua, estrela, nuvem
Carregada de paixão
Tieta é fogo ardente
Queimando o coração
Seu amor mata a gente
Mais que o solo do sertão
(Luiz Caldas, 1989)


         O lado bom de você se mudar para um novo lar é que você fica inteiramente responsável pela programação da casa: como eu me recuso a assistir aos noticiários e à teledramaturgia paupérrima e fútil que a Rede Globo transmite hoje em dia, a TV fica desligada boa parte do dia. Abro uma única exceção para assistir alguns programas do GNT e às reprises dos humorísticos e das novelas que são transmitidas pelo Canal Viva.


         Quando fiquei sabendo que o Viva iria reprisar Tieta (1989), novela de Aguinaldo Silva baseada no romance de Jorge Amado, ganhei um motivo e tanto para ligar minha Sony Bravia velha de guerra. Tenho uma lembrança clara da época em que a produção foi ao ar pela primeira vez – Betty Faria como Tieta e Joana Fomm na pele de Perpétua ainda impressionaram o Vinícius de oito anos de idade de tal maneira que era impossível desgrudar os olhos da TV em um horário no qual os desenhos e os programas infantis não eram mais transmitidos em cadeia nacional.

Betty Faria & Joana Fomm faziam as irmãs Tieta e Perpétua - duas atuações inesquecíveis...

A Santana do Agreste criada por Jorge Amado era um microcosmo de um Brasil machista, corrupto, atrasado e hipócrita. Rever Tieta em 2017 só me faz ter a certeza de que pouca coisa mudou em nosso país de três décadas para cá: a velha mania das pessoas em tirar vantagens umas das outras, por exemplo, nunca se alterou. A corrupção e o coronelismo de nossos políticos também não. O machismo e a homofobia não deixaram de ser características marcantes dos homens brasileiros.

Ary Fontoura, Betty Faria, José Mayer e Arlette Salles
José Mayer, Miriam Pyres e Arlette Salles

Com muito humor, a trama trata de tabus e temas espinhosos para o cotidiano brasileiro, tais como: corrupção, machismo, pedofilia, religiosidade e diversidade religiosa, homofobia, questões de gênero e diversidade sexual. A protagonista, escorraçada por Pai sexista e opressor e uma irmã carola ultraconservadora quando muito jovem, resolve retornar para a sua cidade natal para se vingar de todos aqueles que a humilharam publicamente.

Yoná Magalhães, Cláudio Correia e Castro, Rosane Goffman e Lilia Cabral
Ary Fontoura interpretava o coronel pedófilo Artur da Tapitanga e as suas "rolinhas"...

O retorno de Tieta ao Agreste deixa claro uma série de convenções que serão enfrentadas a ferro, a fogo e irreverência – a relação incestuosa de tia e o sobrinho seminarista, a homofobia e a perseguição de uma travesti pelas beatas da cidade, a pedofilia de um coronel que alicia menores indiscriminadamente, viúvas carolas que escondem uma lascívia sem ter fim (quem não lembra dos ataques de luxúria da dupla dinâmica Cinira-Amorzinho e da lendária caixa de Perpétua), o desejo de um filho ilustre em levar a sua terra natal para os avanços tecnológicos do século XX e se vê diante de um provincianismo tacanho e brutal. A protagonista é o retrato não apenas de uma parcela de um Brasil mais avançado, como também é uma afronta a toda espécie de atraso moral de Santana do Agreste.

Cássio Gabus Mendes & Betty Faria protagonizaram uma relação incestuosa na trama que deu muito o que falar...

O que Perpétua escondia de tão valioso e escabroso em sua tão falada caixa branca?


Rever as reprises de Tieta durante às noites me dá algumas saudades de parte da minha infância em Porto Alegre, como também tem me feito dar boas risadas das estripulias da personagem de Betty Faria e do cotidiano besta do Agreste de Jorge Amado. Se eu pudesse escolher um programa de TV para que o Brasil inteiro assistisse, escolheria a novela adaptada por Agnaldo Silva: a teledramaturgia daquela época tem muito a dizer para os brasileiros do século XXI em matéria de arte e dos fatos corriqueiros do nosso dia-a-dia. Enquanto a novela ainda estiver sendo reprisada pelo Viva, minha TV continuará andando pelas dunas da praia de Mangue Seco e pelas ruas de Santana do Agreste ouvindo os “bééééééé” da protagonista, querendo saber quem é a tal “mulher de branco”, acompanhando a Marinete de Jairo e louca para saber o que Perpétua guarda de tão escabroso em sua caixa branca...


OUÇA UMA SELEÇÃO DA TRILHA SONORA DE TIETA:








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