O SILÊNCIO DOS IMBECIS
“O que a gente faz
É
por debaixo dos pano
Prá
ninguém saber
É
por debaixo dos pano
Se
eu ganho mais
É
por debaixo dos pano
Ou
se vou perder
É
por debaixo dos pano...
É
debaixo dos pano
Que
a gente não tem medo
Pode
guardar segredo
De
tudo que se vê
É
debaixo dos pano
Que
a gente fala do fulano
E
diz o que convém...
É
debaixo dos pano
Que
eu me afogo
Que
eu me dano
Sem
perder o bem...
O
que a gente faz
É
por debaixo dos pano
Prá
ninguém saber
É
por debaixo dos pano
Se
eu ganho mais
É
por debaixo dos pano
Ou
se vou perder
É
por debaixo dos pano...
É
debaixo dos pano
Que
a gente esconde tudo
E
não se fica mudo
E
tudo quer fazer
É
debaixo dos pano
Que
a gente comete um engano
Sem
ninguém saber...
É
debaixo dos pano
Que
a gente
Entra
pelo cano
Sem
ninguém ver...
O
que a gente faz
É
por debaixo dos pano
Prá
ninguém saber
É
por debaixo dos pano
Se
eu ganho mais
É
por debaixo dos pano
Prá
ninguém saber
É
por debaixo dos pano
O
que a gente faz
É
por debaixo dos pano
Prá
ninguém saber
É
por debaixo dos pano
Se
eu ganho mais
É
por debaixo dos pano
Ou
se vou perder
É
por debaixo dos pano...
É
debaixo dos pano
Que
a gente esconde tudo
E
não se fica mudo
E
tudo quer fazer
É
debaixo dos pano
Que
a gente comete um engano
Sem
ninguém saber...
É
debaixo dos pano
Que
a gente
Entra
pelo cano
Sem
ninguém ver...”
(Cecéu na voz de Ney Matogrosso, 1982)
Feriado de Páscoa. Segundo os
católicos, é o tempo da morte e do renascimento de Jesus Cristo. Um homem
bondoso que foi morto como bandido pelos poderosos de sua época e ressuscitou
dias depois para salvar a humanidade de todos os seus pecados. Hoje em dia, os
cidadãos comuns aproveitam os dias de folga para viajar, esquecer do trabalho,
se embrenhar em filas intermináveis para comprar quilos e quilos de bacalhau e
ovos de chocolate cada vez mais caros e fazer jus às convenções típicas da
classe média.
Não comprei um ovo de páscoa sequer
este ano. Algo bastante chato para um chocólatra assumido e compulsivo que
sempre fui. Em tempos de crise econômica, social e política no Brasil, investir
40 reais em um único presente é uma indecência para um trabalhador assalariado
como eu. No entanto, muitos brasileiros faziam volume nas filas intermináveis
dos supermercados e dos shopping centers, fazendo a alegria das indústrias e da
iniciativa privada até o final do sábado de aleluia.
Além disto, a Páscoa de 2017 tem o
sabor amargo do noticiário, pipocando notícias sobre a corrupção da classe
política e das empreiteiras que financiavam as campanhas eleitorais através do
“Caixa 2”, isto é, dinheiro oficialmente não declarado para as autoridades. O
mais revoltante não é o fato de que empresas grandes como a Odebrecht sempre
financiou partidos de esquerda e de direita como o PT, o PMDB e o PSDB, e sim a
desfaçatez do GAFE, que sempre soube das negociatas feitas por debaixo dos
panos da política brasileira e age como se a relação das grandes corporações
com os governos fosse a maior novidade desde a invenção da pólvora ou da bomba
atômica. Sem mencionar o tratamento distinto para líderes políticos: o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi “favorecido” por vantagens
indevidas enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria recebido
propina das mãos de empresários.
A classe política brasileira enriqueceu
e se manteve no poder graças a orçamentos superfaturados realizados mediante
pagamentos gordos de propina. Dinheiro público que poderia ser investido para o
bem-estar das instituições públicas, já que são quantias geradas pelos impostos
altíssimos que pagamos. Infelizmente os candidatos que se elegem e vencem os
pleitos eleitorais não o fazem por desejarem o melhor para o seu povo, mas sim
porque possuem interesses exclusivos no fortalecimento de suas contas
bancárias.
Enquanto o GAFE faz barulho e
estardalhaço diante do espetáculo das delações premiadas (uma maneira bastante
cômoda para estes figurões graúdos se safarem de penas mais agressivas, não?),
boa parte da sociedade brasileira que saiu de panelas nas mãos se calou. Não se
ouve mais o som incômodo de uma panela vazia nos bairros de classe média ou de
classe média alta. O que aconteceu? O poder de compra dessas pessoas aumentou?
A perplexidade tomou conta destes lares? Ou será que estas pessoas estão em
estado de choque diante desta pantomina ridícula?
Enquanto isto, o golpista Michel Temer
tenta dar prosseguimento a um governo ilegítimo e com o seu pacote de medidas
para “resolver” a crise econômica que não foi aprovado por, pelo menos, 54
milhões de brasileiros. Segundo os delatores da Odebrecht, era o próprio
Vice-Presidente do governo Dilma Rousseff que comandava os esquemas de propina
a serem distribuídos para o PMDB. Nove de seus ministros estão citados nos
depoimentos com suspeita de corrupção. Se citarmos os integrantes das comissões
especiais da Câmara dos Deputados que votaram a favor do impeachment de Dilma, 35 de 38 deputados estão citados nas delações
premiadas. Ouço panelas para este fato? Não...
Enquanto os funcionários do Palácio do
Planalto ficam de olho no que postamos nas redes sócias a respeito dos fatos e
acontecimentos sobre a política brasileira, a mudez deixa de ser um privilégio
dos inocentes que se vestiram de verde e amarelo com panelas de teflon nas
mãos. Passamos a observar o silêncio dos imbecis em meio a este espetáculo
dantesco no qual se tornou a política nacional. O radicalismo dos discursos de
extrema-direita se agiganta enquanto muitos militantes de esquerda assistem,
também em pleno choque, ao desmonte da classe que domina o Poder Executivo.
Lembro-me de alguns versos de uma das
pouquíssimas canções da Legião Urbana que me agradam. Em “O Teatro dos
Vampiros”, Renato Russo nos diz abertamente que “os assassinos estão livres /
nós não estamos”. Os vampiros estão a sugar nossas forças de trabalho, nossas
demonstrações de honestidade, nossas crenças em dias melhores. Renato estava
certo, infelizmente: ao pensar sobre os horrores, eu tenho a impressão de que
envelheço dez semanas a cada hora que passo.
Enquanto os ovos de páscoa farão a
festa de milhares de famílias brasileiras para celebrar a ressurreição do homem
que foi crucificado (como um marginal, meus caros: não se esqueçam!), o
silêncio dos imbecis diante dos escândalos de corrupção se fará ainda mais
presente. E a lógica do “bandido bom é bandido morto” diante de qualquer morto
de fome que faz de sua navalha o seu cartão de crédito para algo desejado será
lembrada como uma maneira de se fazer justiça. Afinal, quem precisa de um
bandido de estimação qualquer se criamos a pão de ló 513 deputados, 81
senadores e uma família de parasitas no Palácio do Jaburu, em Brasília?
Minha consciência diante de todos os
fatos e acontecimentos mostrados aqui de maneira não muito polida e elegante
fica tranquila, diante da seguinte constatação: não traí minha pátria, não a
crucifiquei. Sempre deu o meu melhor pelo meu país e continuarei a fazê-lo
enquanto alguém não me crucifica por aí com algum desejo vago de justiça...
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