26 de outubro de 2017

DISCOS DE VINIL # 46

ZÉLIA DUNCAN – INTIMIDADE (1996)


         Em 1996, o Brasil já conhecia o talento único de Zélia Duncan: voz grave, delicada e ao mesmo tempo de uma força avassaladora. O pop brasileiro precisava de mais mulheres inteligentes em meados daquela década – enquanto Marina Lima tinha uma linguagem mais Rock ‘n’ Roll, Marisa Monte e Adriana Calcanhotto conquistavam as ondas do rádio com trabalhos que, ao mesmo tempo aliavam a modernidade e a tradição da MPB. Zélia tinha como trunfos uma influência da vanguarda paulistana, de Folk Music e parceiros musicais de primeira categoria.


         Intimidade, seu terceiro álbum de carreira, foi lançado em 1996, dois anos após Zélia Duncan ter estourado nas paradas de sucesso com uma versão em Português de “Cathedral Song”, de Tanita Tikaram. Apesar do sucesso estrondodo causado por uma canção que foi trilha sonora de novela, Zélia procurou compor canções que fugissem do óbvio, da tal receita fácil para tocar nas rádios e TVs. Como consequência, o brasileiro médio teve a chance de ouvir um tipo de música mais elaborado, com letras repletas de rimas improváveis e inteligentes. Uma provocação e um deleite de Miss Duncan para cada um que se aventurasse a ouvir o seu terceiro disco naquela época.
         Produzido por Liminha, um dos produtores mais famosos do país, Intimidade conseguiu emplacar mais dois sucessos para a cantora de “Nos Lençois Desse Reggae”: “Enquanto Durmo” (Christiaan Oyens & Zélia Duncan) fez parte da trilha sonora da novela Salsa & Merengue, de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa e até hoje é um dos números preferidos dos fãs durante os shows da artista. “Não Tem Volta” é uma das melhores parcerias de Zélia com Christiaan Oyens:

Se você vai por muito tempo
Você nunca volta
Você retorna, você contorna
Mas não tem volta
A estrada te sopra pro alto
Pra outro lado
Enquanto aquele tempo vai mudando
Aí, de quando em quando você lembra

Aquele beijo
Aquele medo
Mas você sabe que tudo ficou antigo
E você não volta
Nem com escolta
Nem amarrado, porque o passado já te perdeu

E o perigo muda mesmo de endereço.
Não existe pretexto, o dia mudou
O carteiro não veio
O princípio é o meio
E você retorna, mas não tem volta.



         Foi neste trabalho no qual Zélia Duncan conseguiu gravar uma canção de um de seus maiores ídolos, o cantor e compositor Itamar Assumpção, cuja obra ela sempre reverenciou sem medir paixões ou consequências. “Vou Tirar Você do Dicionário”, parceria do eterno Nego Dito com a poeta Alice Ruiz, ganhou uma de suas melhores releituras e fez com que milhares de pessoas pudessem conhecer melhor o legado de Itamar:

Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocar-lá em miúdos
Mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
"Tudo que você disser
deve fazer bem
Nada que você comer
deve fazer mal"
"Eu quero as mulheres
que dizem sim
E quem não tem vergonha
de ser assim?"




Outra parceria frequente nos trabalhos de Zélia Duncan é a da artista com a cantora e compositora Lucina. Intimidade registrou três belos exemplos deste trabalho: as faixas “Coração na Boca”, “Minha Fé” e “Primeiro Susto”. Dentre as colaborações com Christiaan Oyens, “Bom pra Você”, “Me Gusta”, “Assim Que Eu Gosto” e a faixa-título, cujos versos retratam as pequenas coisas (boas e ruins) das relações amorosas:

Não nega
Fui eu que senti

Renega
Ninguém vai te ouvir

Intimidade é fato
Não dá pra fingir

Impeça
Senão vou cumprir

Carrega
Seus traumas daqui

Envelhecer é fato
Nâo dá pra fugir

Se esfrega em outro rosto pra deixar de me amar
Você me deu o gosto e esqueceu o lugar

Passos largos fora de hora
Não vão me afastar

Confessa
Seu tombo é aqui
Na queda
Quem vai se exibir?

Dignidade é fato
Não dá pra pedir

Se esfrega em outro rosto pra deixar de me amar
Você me deu o gosto e esqueceu o lugar

Passos largos fora de hora
Não vão me afastar

Confessa
Seu tombo é aqui
Na queda
Quem vai se exibir?

Dignidade é fato
Não dá pra pedir

Envelhecer é fato
Não dá pra fugir

Intimidade é fato
Não dá pra fingir


         Depois de mais de 20 anos de lançamento, Intimidade ainda se revela como um dos melhores trabalhos da discografia diversificada de Zélia Duncan. Se você quiser se aventurar pela música de uma das artistas mais criativas da música brasileira hoje, este CD é uma ótima pedida para você conhecer o que esta bela moça de cabelos cacheados tem para te dizer...


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