14 de novembro de 2020

TROVA # 153

O INVASOR DA DESESPERANÇA

Algumas razões para elegermos Guilherme Boulos para a Prefeitura de São Paulo

 



E foste um difícil começo

Afasto o que não conheço

E quem vem de outro sonho

Feliz de cidade

Aprende de pressa a chamar-te

De realidade

Porque és o avesso

Do avesso, do avesso, do avesso…

(Caetano Veloso, 1978)

 

     Todo ano “par” reserva emoções intensas para todos os que se interessam por política no Brasil. Eu me incluo nesse grupo com toda a tranquilidade, já que escolhi São Paulo (maior colégio eleitoral do país) como meu lar há mais de uma década e os pleitos daqui sempre reservam discussões acaloradíssimas. Com a pandemia do coronavírus, as eleições municipais de 2020 foram adiadas em mais de um mês, a maioria dos debates políticos foram cancelados e as campanhas políticas tiveram de mobilizar os meios virtuais para evitar aglomerações.

         Confesso que minhas esperanças por uma renovação em matéria de política foram abaladas quando a cidade de São Paulo trocou um democrata de centro-esquerda (Fernando Haddad) por um lobista que se dizia trabalhador (João Doria) em 2016. Foram aniquiladas de vez quando o Brasil permitiu que um projeto mal-acabado de ditador (a versão brasileira de Donald Trump) subisse a rampa do Palácio do Planalto em 2018. A esperança de que, um dia, tivéssemos políticos dispostos a governar junto com o povo deu lugar para um pessimismo com tintas depressivas, já que a maioria das opções que nos sobraram era uma galeria de tipos grotescos e reacionários, expondo o que existe de pior no pensamento conservador. No entanto, parte de meu sentimento desesperançoso mudou quando soube que Guilherme Boulos, ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), se aliou a Luiza Erundina (Deputada Federal e ex-Prefeita de São Paulo) para uma chapa com o intuito de concorrer às eleições para a Prefeitura da capital paulista pelo PSOL em 2020.


Guilherme Boulos ao lado de Luiza Erundina em 13/11/2020 - Foto: Tatiana Santiago (G1) 


Professor de Filosofia com experiência em escola pública, militante da causa de uma habitação digna para os mais pobres, único dos candidatos que mora em um bairro periférico de São Paulo (Campo Limpo) e uma das figuras mais jovens da política brasileira, Guilherme Boulos sempre foi criticado por seus opositores, que insistiam em lhe impor a pecha de “invasor” de propriedades privadas, além de outros estigmas que ele comprovou não serem verdadeiros. Com apenas 17 segundos de propaganda eleitoral, não tinha as vantagens de seus concorrentes: fez uso de uma campanha intensa pela Internet por meio de memes, postagens irreverentes e bem-humoradas nas redes sociais, sem apelar para o grotesco que sempre deu o tom de alguns de seus concorrentes. Buscou o apoio e a experiência de Erundina, primeira Prefeita que a Pauliceia elegeu, para expor suas propostas de governo. Foi aguerrido nos debates políticos, enfrentando jornalistas nada simpáticos à sua presença, seus adversários e as fake news.

Além disso, o companheiro de Erundina teve a coragem e a enorme ousadia de iniciar e encerrar sua campanha ao primeiro turno das eleições municipais com duas lives de quase 24 horas que mostrou o cotidiano do homem por trás do candidato desde o início da manhã até o fim de um dia de trabalho, mostrando o corpo-a-corpo com os eleitores e revelando alguns momentos de sua intimidade. O resultado dessas estratégias de campanha foi uma arrancada surpreendente de Boulos para o segundo lugar nas intenções de voto, aterrorizando seus adversários e intrigando os analistas políticos. Tudo isso com muita leveza, irreverência e inteligência típicas do povo brasileiro.



Aliás, é preciso deixar claro que o brasileiro, em linhas gerais, sempre foi bem-humorado e irreverente. Os memes que se produzem são uma prova claríssima disso. Em matéria de política, então, a irreverência do eleitor poderia níveis inacreditáveis. Quando o lendário Macaco Tião se revelou como uma revelação e chegou ao segundo lugar na disputa para a Prefeitura do Rio de Janeiro, eu tinha sete anos de idade. Eu estava com oito quando vi Enéas Carneiro revolucionar o Horário Político, chatíssimo por natureza, proferir “Meu nome é Enéas!” para compensar o seu espaço mínimo de programação, que não chegava aos cinco segundos.

         Por outro lado, os artífices da política brasileira sempre fizeram dela um espaço sisudo e nem um pouco irreverente. Debates políticos, apesar de alguns episódios hilários, sempre foram o palco principal dos temperamentos odiosos dos eleitos por meio do voto direto. Mais do que isso, há ainda algo bem pior: as relações frágeis da nossa democracia recém-nascida evidenciavam o caráter mais obscuro de nossa gente, chegada aos níveis mais diversos de corrupção. Aos onze anos de idade, assisti a deposição do primeiro Presidente da Nova República por meio de um golpe midiático espetacular que se travestiu de caras pintadas nas ruas. Entre a adolescência e o início da minha vida adulta, vi o Presidente que criou o Plano Real governar por dois mandatos presidenciais apesar dos escândalos comprovados da compra da emenda de sua reeleição no Congresso Nacional.

         Aos dezessete anos, no final da adolescência, votei pela primeira vez para Presidente da República, com a esperança de que iria eleger um ex-metalúrgico para a cadeira mais ilustre do Brasil, fato que ocorreu apenas 4 anos depois. Por um brevíssimo tempo, achei que a política seria um sinônimo de esperança para, enfim, sanarmos as diferenças sociais que sempre separam ricos de pobres, da classe média de indivíduos miseráveis. Fui enganado: os primeiros escândalos de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores não só me deixou frustrado em relação aos meus votos, como também me afastou da política e do direito ao voto por mais de dez anos – sempre aproveitei o fato de ter me mudado para outro Estado para justificar minha ausência.

         Em 2014, na iminência da reeleição de Dilma Rousseff – primeira mulher eleita Presidenta da República Federativa do Brasil –, decidi exercer meu direito ao voto e voltei ao Rio de Janeiro para votar em Dilma. Sempre achei que sua plataforma política necessitava de revisões, de posicionamentos mais críticos, de menos concessões aos barões da política tradicional, porém há um fato inegável: é sempre mais confortável fazer oposição a um governo alinhado a ideais democráticos do que com tecnocratas neoliberais e projetos de ditadores obcecados em cortar gastos públicos e fazer um Estado Mínimo para a população e um Estado Máximo para os altos escalões do governo e suas famílias parasitárias.




Mesmo se o candidato do PSOL para a Prefeitura de São Paulo não atingir seu objetivo principal, é indiscutível que sua campanha fez história: renegou o ódio e a arrogância típicos da maioria dos políticos tradicionais, mobilizou um número enorme de simpatizantes via Internet e tentou fazer política com irreverência e olho-no-olho. Se Guilherme Boulos invadiu alguma coisa durante a campanha eleitoral foi a desesperança do paulistano, que está exausto de ver sua cidade entregue à sujeira. às enchentes, às negociatas com as máfias dos transportes, ao descaso com os servidores públicos municipais, dentre tantas mazelas. Seu projeto de governo talvez não seja o mais perfeito para a cidade, mas, para aperfeiçoá-lo, Boulos se mostra altamente disposto a ouvir as vozes de quem acreditou nele: o povo.

Por isso, espero que as urnas ouçam a voz do povo. Guilherme Boulos está plenamente disposto a construir uma cidade melhor para a próxima década. Ao lado de Luiza Erundina e ao lado do povo, fazendo a política como ela realmente deve ser feita: para todos e não para os mais abastados. Talvez este seja o caminho para um “sonho feliz de cidade”, do jeito que Caetano cantou em uma de suas canções mais emblemáticas.




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