THE ROLLING STONES – STICKY FINGERS (1971)
A virada da década de 1960 para a de
1970 não trouxe boas vibrações para os Rolling Stones: a morte de Brian Jones,
a participação da banda no famigerado festival de Altamont que resultou na
morte trágica de um fã do grupo, as disputas financeiras com o ex-empresário
Allen Klein que se transformavam em batalhas judiciais intensas e o fim do
contrato com a gravadora Decca chegava ao fim de forma amarga e turbulenta. Até
o final de 1969, a banda não possuía controle pleno sobre o seu trabalho e
vivia com as finanças no vermelho. Keith Richards poderia, enfim, viver a
plenitude de seu amor pela explosiva e junkie
Anita Pallenberg com direito a todos os narcóticos que quisessem. Mick Jagger
deixara Marianne Faithfull para trás para se casar com a exuberante Bianca
Pérez-Mora de Macías (futuramente: Bianca Jagger) pouco tempo depois, decidira
se aventurar como ator de cinema e dava início à sua egotrip eterna. Tais fatos fizeram com que o futuro da banda fosse
considerado como incerto naqueles tempos.
Keith & Anita |
Jagger & Richards na virada da década |
Mick & Bianca |
O mundo se surpreendeu completamente
com o surgimento de Sticky Fingers em
23 de abril de 1971. O álbum não apenas garantiu a redenção musical dos Rolling
Stones, como também trouxe a banda com toda a pompa e circunstância para a
década mais insana da história dos músicos. Além disto, estamos diante de uma
das dez obras-primas do Rock ‘n’ Roll e
os Stones são autores de duas destas pedras fundamentais: este disco e o
lendário Exile on Main St. (1972), o rosário de todas as obsessões
sexuais e lisérgicas de Jagger e Richards. O impacto profundo se dava com a
capa do álbum – uma imagem em close-up de
um jeans masculino com um órgão sexual proeminente, mais uma das criações
escandalosas de Andy Warhol. A primeira edição em vinil deste clássico (hoje em
dia, uma raridade!) continha um zíper que, infelizmente, danificava a qualidade
do bolachão. Os conservadores de plantão acharam um horror, o que fez com que a
capa do disco fosse censurada em países como a Espanha, que colocou uma
ilustração no lugar da foto do jeans controverso.
Sticky Fingers foi um álbum
que marcou uma série de marcos iniciais para os Rolling Stones: não se trata
apenas do primeiro álbum de inéditas da banda na década de 1970, como também
foi o primeiro trabalho que contou com a participação plena do guitarrista Mick
Taylor (substituto de Brian Jones), o primeiro álbum no qual Mick Jagger
apareceu nos créditos tocando guitarra e violão, o primeiro trabalho a exibir o
logo que se tornou a marca registrada da banda (a boca e a língua de Mick
Jagger estilizadas por John Pasche) e o foi o primeiro produto da Rolling Stones Records, selo fundado por
Jagger, Richards e cia via Atlantic Records. A gênese deste disco começou
alguns anos antes de 1971: parte das canções foram gravadas no lendário Muscle
Shoals Sound Studio em 1969 – templo sagrado de mestres do Soul americano como Aretha Franklin localizado no coração do
Alabama – outras foram gravadas no Olympic Studios e no Trident Studios, em
Londres e as restantes foram criadas no The Rolling Stones Mobile Studio em
Stargroves, propriedade de Jagger e Richards no interior do Reino Unido entre o
final de 1969 e 1970. A produção deste clássico ficou a cargo de Jimmy Miller,
parceiro musical das pedras rolantes até a primeira metade dos anos 1970.
Apesar das crises internas intensas, a
forma musical dos Rolling Stones era invejável durante aquele período. Keith
Richards e Mick Taylor conseguiram um entrosamento intenso, Charlie Watts e
Bill Wyman eram a cozinha mais elegante e completa do Rock ‘n’ Roll e Mick Jagger estava no auge de sua forma vocal. O
time de músicos convidados para tocar em Sticky Fingers é digno de dar inveja a qualquer banda iniciante:
Bobby Keys e Jim Price nos metais, Ian Stewart, Billy Preston e Jack Nitzsche
no piano e no órgão Hammond B-3, Ry Cooder na guitarra slide, Rocky Dijon nas
congas e o arranjo de cordas do maestro Paul Buckmaster. As dez canções do
disco são uma espécie de prenúncio do rosário de loucuras e obsessões que
fariam de Exile on Main St. um dos cinco discos mais importantes de toda a
história da música. “Wild Horses” e “Moonlight Mile”, por exemplo, são as
melhores baladas que Jagger e Richards já compuseram e falam de amor e dor em
seu estado bruto:
“I know I
dreamed you a sin and a lie
I have my freedom but I don’t have much time
Faith has been broken, tears must be cried
Let’s do some living after we die”
(Wild Horses)
I have my freedom but I don’t have much time
Faith has been broken, tears must be cried
Let’s do some living after we die”
(Wild Horses)
“The sound of
strangers sending nothing to my mind
Just another mad mad day on the road
I am just living to be lying by your side
But I’m just about a moonlight mile on down the road”
(Moonlight Mile)
Just another mad mad day on the road
I am just living to be lying by your side
But I’m just about a moonlight mile on down the road”
(Moonlight Mile)
“Dead Flowers” é um country rock
vingativo e é um dos melhores números ao vivo dos Rolling Stones até os dias de
hoje. A letra, entoada sarcasticamente por Mick Jagger e presença constante nos
setlists da banda até hoje, deve ter
sido dedicado a Marianne Faithfull. “Sister Morphine” foi originalmente gravada
por Marianne em 1968 e teria sido supostamente mais uma parceria de Mick Jagger
e Keith Richards. No entanto, o relato de um junkie à beira da alucinação decorrente de uma suposta overdose não
seria mero fruto do talento indiscutível da interpretação da ex-namorada do
vocalista dos Stones. Anos depois, os créditos de composição passaram a apontar
Jagger, Richards e Faithfull como os autores de uma das canções mais pungentes
de todo o repertório stoniano:
“Take me down,
little Susie, take me down
I know you think you’re the queen of the underground
And you can send me dead flowers every morning
Send me dead flowers by the US Mail
Send me dead flowers to my wedding
And I won’t forget to put roses on your grave”
(Dead Flowers)
I know you think you’re the queen of the underground
And you can send me dead flowers every morning
Send me dead flowers by the US Mail
Send me dead flowers to my wedding
And I won’t forget to put roses on your grave”
(Dead Flowers)
“Well it just
goes to show
Things are not what they seem
Please, Sister Morphine
Turn my nightmares into dreams
Oh, can’t you see I’m fading fast?
And that this shot may be my last”
(Sister Morphine)
Things are not what they seem
Please, Sister Morphine
Turn my nightmares into dreams
Oh, can’t you see I’m fading fast?
And that this shot may be my last”
(Sister Morphine)
Sticky Fingers possui um dos
lados B mais importantes da carreira dos Rolling Stones: “Sway”, segunda faixa
do disco. O solo de guitarra de Mick Taylor e o arranjo de cordas de Paul
Buckmaster resulta em uma das gravações mais intensas de toda a história do
Rock, com direito a uma letra inspiradíssima. “I Got the Blues” é um dos
números mais emocionantes já gravados pela banda, com direito a um solo
belíssimo de Billy Preston e com apoio elegante dos metais de Bobby Keys e Jim
Price. A regravação de “You Gotta Move” (número de blues composto por Fred
McDowell e Gary Davis que já fazia parte do repertório da banda desde o final
da década anterior) destaca a sintonia existente entre Jagger e Richards:
“Did you ever
wake up to find
A day that broke up your mind
Destroyed your notion of circular time
It’s just that demon life has got you in its sway
It’s just that demos life has got you in its sway”
(Sway)
A day that broke up your mind
Destroyed your notion of circular time
It’s just that demon life has got you in its sway
It’s just that demos life has got you in its sway”
(Sway)
“As I stand by
your flame
I get burned once again
Feelin’ low down, I’m blue
As I sit by the fire
Of your warm desire
I’ve got the blues for you, yeah”
(I Got the Blues)
I get burned once again
Feelin’ low down, I’m blue
As I sit by the fire
Of your warm desire
I’ve got the blues for you, yeah”
(I Got the Blues)
“You may be
high
You may be low
You may be rich, child
You may be poor
But when the Lord gets ready
You gotta move”
(You Gotta Move)
You may be low
You may be rich, child
You may be poor
But when the Lord gets ready
You gotta move”
(You Gotta Move)
Os números mais rápidos do disco foram
justamente os mais populares de Sticky Fingers. “Can’t You Hear Me Knocking”, jam session de pouco mais de sete
minutos e uma das canções preferidas do lendário diretor Martin Scorsese (um
dos momentos mais eletrizantes de Casino
se dá com os golpes certeiros de NIcky Santoro, personagem de Joe Pesci, nos
elementos mais suspeitos de Las Vegas), é o momento mais estridente do disco.
Os vocais lancinantes de Jagger, os riffs
arrasadores de Keith, as congas furiosas de Dijon e os solos melodiosos e
hipnóticos de Taylor e Bobby Keys foram os elementos que fizeram desta gravação
um verdadeiro clássico.
“Bitch”, por sua vez, é mais uma
grande canção sobre os desencantos amorosos com direito aos metais incendiários
de Keys e Jim Price. E o que podemos dizer de “Brown Sugar” além do fato dela
ser uma das canções mais perfeitas sobre sexo, drogas e Rock ‘n’ Roll já feitas em toda a história da música?
“Can’t you
hear me knockin’, ahh, are you safe asleep?
Can’t you hear me knockin’, yeah, down the gas light street, now
Can’t you hear me knockin’, yeah, throw me down the keys
Alright now
Can’t you hear me knockin’, yeah, down the gas light street, now
Can’t you hear me knockin’, yeah, throw me down the keys
Alright now
Hear me
ringing big bell tolls
Hear me singing soft and low
I’ve been begging on my knees
I’ve been kickin’, help me please
Hear me prowlin’
I’m gonna take you down
Hear me growlin’
Yeah, I’ve got flat-ten feet now, now, now, now
Hear me howlin’
And all, all around your street now
Hear me knockin’
And all, all around your town”
(Can’t You Hear Me Knocking)
Hear me singing soft and low
I’ve been begging on my knees
I’ve been kickin’, help me please
Hear me prowlin’
I’m gonna take you down
Hear me growlin’
Yeah, I’ve got flat-ten feet now, now, now, now
Hear me howlin’
And all, all around your street now
Hear me knockin’
And all, all around your town”
(Can’t You Hear Me Knocking)
“Sometimes I’m
sexy, move like a stud
Kicking the stall all night
Sometimes I’m so shy, got to be worked on
Don’t have no bark or bite, alright
Kicking the stall all night
Sometimes I’m so shy, got to be worked on
Don’t have no bark or bite, alright
Yeah when you
call my name
I salivate like a Pavlov dog
Yeah when you lay me out
My heart is bumpin’ louder than a big bass drum, alright”
(Bitch)
I salivate like a Pavlov dog
Yeah when you lay me out
My heart is bumpin’ louder than a big bass drum, alright”
(Bitch)
“Drums
beating, cold English blood runs hot
Lady of the house wonderin’ where it’s gonna stop
House boy knows that he’s doing alright
You shoulda heard him just around midnight
Lady of the house wonderin’ where it’s gonna stop
House boy knows that he’s doing alright
You shoulda heard him just around midnight
Brown sugar
How come you taste so good, now?
Brown sugar
Just like a young girl should, now”
(Brown Sugar)
How come you taste so good, now?
Brown sugar
Just like a young girl should, now”
(Brown Sugar)
Sticky Fingers recebeu
críticas moderadas e gerou opiniões diversas dos jornalistas musicais da época.
Com o passar dos anos, todos foram unânimes ao perceberem que estamos diante de
um dos discos mais coesos e coerentes de toda a história dos Rolling Stones. No
entanto, o álbum alcançou os primeiros lugares das paradas de sucesso no Reino
Unido e nos Estados Unidos em maio de 1971 e se mantém como um dos mais
vendidos por eles até hoje. A banda lançou um de seus maiores sucessos pouco
tempo depois de ter feito uma apresentação lendária no Marquee Club de Londres
no decorrer de uma turnê de despedida do Reino Unido – os músicos ingleses
decidiram deixar a terra de Elizabeth II alegando não ter condições de pagar os
impostos exorbitantes que a Coroa Inglesa cobrava.
Obrigados a deixar o país, Jagger,
Richards, Taylor, Wyman e Watts seguiram rumo à França para poder reerguer não
só as finanças, mas o que sobrou da identidade do grupo. A lendária mansão de
Villa Nellcôte seria o QG dos Stones até o final de 1972, com direito a todas
as loucuras que estivessem ao alcance deles. Em outras palavras, nenhum dos
integrantes do grupo teve a oportunidade de vivenciar o sucesso de sua
obra-prima até então devido ao fato de terem seguido em um exílio voluntário.
Em 2015, os Stones nos legaram várias
versões deluxe de Sticky Fingers, com direito a uma versão
remasterizada deste clássico, além de outtakes e trechos de duas apresentações
feitas entre 13 e 14 de março de 1971 em Londres e em Leeds. Dentre os números
que ficaram de fora do disco original, está uma versão de “Brown Sugar” datada
de 1970 com a participação de Eric Clapton na slide guitar, uma versão
estendida de “Bitch” e uma versão eletroacústica de “Dead Flowers” (muitíssimo
parecida com a versão que a banda apresenta em suas apresentações até os dias
de hoje). A reedição deste álbum não só afirma a perenidade e a importância
desta obra fundamental, como também mantém os Rolling Stones como uma das
bandas mais importantes de Rock
clássico que já surgiu em todos os tempos.
Por isso e muito mais que
não está escrito aqui, deixe-se levar pelos dedos grudentos e musicais dos
Rolling Stones, afaste o seu sofá e aproveite este momento para cantar e dançar
com toda a fúria e o amor que só eles conseguiram expressar nos sulcos de um
vinil. Este clássico se renova cada vez mais na medida em que você vibrar ao
som de cada nota estridente tocada pelas rolantes do Rock. Divirta-se!
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