ANDANÇAS
MUSICAIS
Para Caroline Rohan, com amor...
Lojas de discos sempre foram o meu
local preferido no mundo. Se elas são grandes e possuem livros à mancheia,
tenho vontade de entrar nelas e não voltar para a vida social nunca mais,
afinal eu sempre teria algo de novo para ouvir ou alguma coisa de interessante
para ler.
O século XXI e a Era da Mediocridade infelizmente
não conseguem conviver com as lojas de discos. Música se tornou um artigo
supérfluo, que basicamente se ouve no rádio do carro ou nos fones de ouvido de
celular. Visito as casas das pessoas e não vejo mais as coleções de LPs e CDs
impondo suas presenças nas salas de estar, para minha tristeza e decepção. As mídias
musicais continuam cada vez mais caras e são embaladas em um digipack vagabundo. As poucas lojas de
discos que sobraram se tornaram espaços frequentados por colecionadores e
amantes ferrenhos da arte musical como eu, que se satisfazem com tais fetiches
encontrados em utopias sonoras.
A lendária Modern Sound, em Copacabana |
As lojas de discos não sobreviveram à
chegada do MP3 e ao streaming e
muitas tiveram que fechar suas portas. Quase morri de tristeza quando a Modern Sound, a lendária loja da Rua
Barata Ribeiro, em Copacabana, fechou. Toda vez que eu ia ao Ilha Plaza
Shopping, localizado na Ilha do Governador, no subúrbio carioca onde nasci e me
criei, e constatava que uma loja de CDs tinha encerrado suas atividades, sentia
pontadas no coração. Não deixei de bradar o meu ódio mortal quando a Neto Discos, localizada no coração da
Rua Augusta e onde comprei alguns dos itens mais adorados da minha coleção de
discos, deixou de existir para virar um restaurante mexicano.
Um vendedor da antiga Neto Discos, na Rua Augusta |
Ainda bem que existem alguns recantos
nos quais ainda podemos exercitar nossa paixão por versos e sons em LPs e CDs:
a Augusta velha de guerra, a Galeria do Rock e o sebo Berinjela são pilares de
resistência que ainda me fazem feliz tal qual os protagonistas dos filmes
Durval Discos (Anna Muylaert) ou de Aquarius (Kleber Mendonça Filho), ao ouvirem
um clássico da música (inter)nacional soando truinfal por uma sala.
Marisa Orth & Ary França em Durval Discos (2002), de Anna Muylaert |
Sonia Braga em Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho |
*
Eu poderia encher várias linhas com
anedotas cômicas, bizarras, vergonhosas e tristes sobre minhas experiências dentro
de lojas de discos. Todavia, gostaria de resgatar uma experiência mais recente
e que foi bastante especial para mim...
*
Minhas temporadas de férias no Rio de
Janeiro sempre são bastante intensas e animadas. Especialmente porque não
consigo mais passar mais de sete dias na Cidade Maravilhosa. Por isso, meus
encontros com minha amiga Caroline Rohan, que me ama e me aguenta por quase
duas décadas de amizade, sempre são hilários e repletos de boas memórias. Nosso
último encontro de 2016 foi na nossa Copacabana velha de guerra e de tantas
anedotas para contar.
Carolzinha me levou a um paraíso que todo
amante da boa música gostaria de ir na época de Natal: em uma loja de discos na
Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Posto 5. Depois de ter jurado que não gastaria
nem um centavo com novas aquisições, entrei em contradição ao ver a vitrine com
algo extraordinário: uma cópia do álbum de 1973 de Frank Sinatra em LP muito
bem-conservada e por um preço baratinho. Ao ver a capa de Ol’ Blue Eyes is Back com o
sorriso reluzente e triunfante da Voz,
ignorei por alguns minutos de que ainda nem tenho um tocador de discos de vinil
em casa. Fiquei namorando outros LPs e alguns CDs, mas minha paixão por Sinatra
falou mais alto do que a razão- além da vitrola que ainda não tenho, estou em
uma quebra de braços com a falta de espaço para meus livros e meus discos.
Depois da farra e de algumas conversas
e com o meu Sinatra debaixo dos meus braços, continuamos nossas andanças por
Copa, fomos visitar a recém-inaugurada estátua de nosso amado mestre Nelson
Rodrigues e paramos em um bar para tomar nossas bebidinhas que os canários não
bebem. Antes de ir embora da Zona Sul, pedi a Carol que me levasse para o Beco das Garrafas, um beco na Rua
Duvivier onde Elis Regina começou a cantar e fez história. Fiquei encantado ao
saber que a tal esquina hoje abriga uma loja de discos com uma seção fabulosa
de livros de música.
O melhor da visita à Bossa Nova &
Companhia foi poder conversar com os vendedores da loja, entusiasmados em falar
comigo porque Carolzinha fez questão de dizer que o amigo dela era escritor e
possui um Blog sobre música. Conversamos sobre as discografias de Ney
Matogrosso e Maria Bethânia, contei algumas histórias e ouvi outras deliciosas.
Fiquei com vontade não apenas de ter lançado meu livro por lá, como quis ficar
por lá para sempre, pois a atmosfera do local é composta de versos e sons da
melhor qualidade.
Saí de Copacabana com a crença de que a
vida ainda pode ser leve e doce. Tranquila como uma canção de amor entoada por
Frank Sinatra, poética como um samba gravado por Maria Bethânia e intensa como uma
interpretação antológica de Elis Regina. Graças a uma amiga adorada e que
sempre está disposta a me fazer feliz – naquele dia, eu ganhei de presente um
chaveiro de lembrança com os nomes de Tom Jobim e de Vinícius de Moraes, dois
dos arautos da música brasileira moderna. Graças a Caroline Rohan, meu amor
pela arte musical, livros e lojas de discos anda comigo aonde quer que eu vou:
afinal, sempre é bom estar em boa companhia...
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