A
MELODIA FINAL DO NEGRO GATO
Em memória de Luiz Melodia (1951-2017)
"Eu fico com essa dor
Ou
essa dor tem que morrer
A
dor que nos ensina
E
a vontade de não ter
Sofrer
de mais que tudo
Nós
precisamos aprender
Eu
grito e me solto
Eu
preciso aprender
Curo
esse rasgo ou ignoro qualquer ser
Sigo
enganado ou enganando meu viver
Pois
quando estou amando é parecido com sofrer
Eu
morro de amores
Eu
preciso aprender"
(Luiz Melodia, 1978)
Dias
cinzentos e nublados não me trazem boas lembranças. Cauby Peixoto nos abandonou
em uma segunda-feira assim. Lou Reed se foi em um domingo bastante nublado. A
vida levou Luiz Melodia do nosso convívio em uma sexta-feira cinzenta e de
chuvas esparsas. Vítima de um câncer de medula óssea, o negro gato, ébano de
carteirinha musical, virou mais uma estrela a brilhar na constelação musical
brasileira no dia 4 de agosto de 2017.
A
primeira lembrança que eu tenho de Mestre Melodia era de um homem fino e
elegante, de voz grave e límpida. Estava assistindo a primeira transmissão do Acústico MTV de Gal Costa pela saudosa Music Television brasileira. No início
do terceiro bloco, a banda de Gal começa a atacar "Pérola Negra". Ao
invés da eterna musa da Tropicália começar a cantar o primeiro verso –
"Tente passar pelo que estou passando" –, surge uma voz de ébano do
lado esquerdo do palco. Era Luiz Melodia, em um terno preto elegantíssimo,
adentrando o palco como a Irene de Manuel Bandeira: sem pedir licença.
Em sentido horário: Luiz Melodia, Gal Costa, Nara Leão, Odair José, Caetano Veloso e Maria Bethânia nos bastidores do Festival Phono 73 |
A
intimidade entre Gal e Melodia vinha de uma longa data - para ser mais exato,
do início da década de 1970, quando, graças ao auxílio de Waly Salomão, ela
incluiu "Pérola Negra" no setlist do lendário show Fa-Tal: Gal a Todo
Vapor (1971) e colocou o jovem bardo do morro do Estácio no mapa da mina da
MPB. Um ano depois, Maria Bethânia gravou "Estácio Holly Estácio" em
seu álbum Drama - Anjo Exterminado (1972), com muito sucesso. O reconhecimento
do talento do jovem Luiz Melodia foi fundamental para que ele, enfim, tivesse a
chance de gravar seu primeiro álbum.
As
dez canções do álbum Pérola Negra foram lançadas na voz de seu divino criador
em 1973, um dos anos mais notáveis no que diz respeito a lançamentos de
clássicos da dita "MPB". Luiz Melodia atirou Samba, Rock, Jazz,
Foxtrot, Forró, Blues, Choro e outros estilos musicais no ventilador para fazer
um álbum clássico, simples de compreensão, mas extremamente complexo em relação
ao seu conteúdo, um disco irrepreensivelmente inteligente e popular. Luiz não
precisava ter feito outro disco para garantir o seu lugar entre os mais
notáveis e talentosos cantores e compositores da música brasileira.
Em
pouco mais de quatro décadas de carreira, Luiz Melodia gravou cerca de 20
discos. Alguns bastante reconhecidos pela crítica e pelos ouvintes de música
brasileira, outros praticamente ignorados por muitos. Apesar de ter travado uma
série de picuinhas e batalhas com a mídia e o mercado fonográfico (que não
hesitou em tachá-lo de "maldito") era extremamente querido pelo
público e por seus colegas de profissão. Sua obra musical encontrou em Zezé
Motta a sua maior intérprete e admiradora no meio musical – a nossa eterna Xica
da Silva sempre fez questão de incluir canções de Melodia na maioria de seus
projetos musicais.
O
eterno negro gato nunca permitiu que vendessem sua pele para que fizessem
qualquer tamborim. Sempre se pautou pela coerência, pela generosidade, pela
qualidade musical e pela elegância. A partida prematura de Luiz Melodia, em
plena criatividade, aos 66 anos deixa uma lacuna gigante no ambiente musical do
Brasil. Foi-se o homem, ficaram as melodias inesquecíveis. Cabe a cada um de
nós, amantes da boa música, possamos nos inteirar "da coisa, sem haver
engano"...
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