12 de fevereiro de 2018

TROVA # 146

DIAS DE FOLIA

Av. Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro

“Mas é Carnaval!
Não me diga mais quem é você!
Amanhã tudo volta ao normal.
Deixa a festa acabar,
Deixa o barco correr.

Deixa o dia raiar, que hoje eu sou
Da maneira que você me quer.
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser!”
(Chico Buarque de Hollanda)



         Este é meu trigésimo sétimo Carnaval. Não me lembro de todos, e ainda tenho a memória de alguns inesquecíveis. Já me rendi aos encantos da folia, porém hoje em dia aproveito os dias de festejos não apenas para descansar um pouco da loucura recém-iniciada do ano letivo, como também para ler um pouco, acompanhar os festejos pela TV, ver alguns desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e até tento sair em um ou outro bloco carnavalesco, para não dizer que determinadas emoções eu vivi.

Acadêmicos do Baixo Augusta na Rua da Consolação, com a Pça Roosevelt à esquerda

         No passado, eu adorava desfrutar dos prazeres da carne durante os dias em que o Rei Momo governava as cidades e nos garantia quatro dias de folia, irreverência e batucada. Porém, os 30 foram chegando, me mudei para São Paulo (que só foi resgatar os carnavais de antigamente de alguns anos para cá) e o meu coração passou a pertencer a alguém. Além disso, minha resistência para aglomerações foi diminuindo e a minha paciência para programas coletivos ficou bem limitada. Folia imperdível é a que fica entre o sofá, a cama e o sol da piscina com algumas saídas com hora marcada para voltar.

As multidões na folia do Rio de Janeiro

         Além do empurra-empurra e do pessoal que bebe demais e resolve satisfazer suas vontades fisiológicas no meio da rua (não existe coisa mais desagradável do que cheiro de urina), o calor do verão me deixa profundamente angustiado. Outro motivo que me mantém em casa é a violência que não dá trégua durante o Carnaval: tenho pavor de assaltos e as cenas de criminalidade na TV me deixaram ainda mais sem vontade de sair às ruas. Não há irreverência ou marchinha de carnavalesca que resista à falta de policiamento nas ruas das grandes cidades brasileiras. Por outro lado, a vontade de protestar contra os governantes e as injustiças e me divertir cantando e espantando os males diários ainda me dá vontade de sair de casa e ainda acreditar que posso me sentir melhor...

A lendária Banda de Ipanema

         Diante de uma série de retrocessos e de direitos que os brasileiros têm perdido nos últimos dois anos, o Carnaval se tornou em um verdadeiro palco de protesto e resistência do povão e dos defensores da diversidade contra uma elite que sempre teve amor pelo luxo e horror a pobre. Enquanto os detentores de um bom capital conseguem investir em fantasias de alas de escolas de samba, carnavalescos elaboram protestos inteligentes contra o autoritarismo e a boçalidade que têm dado o tom de tempos mais recentes. O que seríamos de nós sem a genialidade de Joãosinho Trinta? E como seria a nossa irreverência se não existissem as marchinhas carnavalescas com suas letras irreverentes de duplo sentido?   

A alegoria de Joãosinho Trinta proibida de desfilar graças à Igreja Católica


            Por outro lado, é importante deixarmos claro uma questão fundamental: o Carnaval é a celebração da diversidade. Por isso, é um momento para que todos possam se expressar da maneira que achar melhor: os foliões podem ir para a rua, os roqueiros podem curtir seu som preferido nas alturas, os nerds podem ficar em casa em maratonas intensas de Netflix, os mais religiosos podem praticar a sua fé em retiros espirituais orando por suas almas e antissociais como eu podem ficar entre a rua e o conforto sagrado do lar. Se a individualidade de cada um fosse respeitada, a liberdade não seria uma constante apenas durante quatro dias de fevereiro ou março.



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