A CORRENTE QUE NUNCA QUEBRA
Algumas coisinhas sobre o Fleetwood Mac...
“Listen to the wind blow
down comes the night
Running in the shadows
damn your love, damn the lies
Break the silence
damn the dark, damn the light”
(Mick Fleetwood, John McVie, Christine McVie,
Lindsey Buckingham & Stevie Nicks, 1977)
As novelas de TV deixaram de ser meu programa
preferido quando entrei no final da adolescência, já no final da década de 1990.
Com a desculpa da vida adulta e dos compromissos que já tinha por conta dos
meus primeiros anos de faculdade, deixei de prestar atenção nos folhetins de
televisão, com suas tramas e estereótipos repetitivos. Nada contra mestres do gênero
como Silvio de Abreu, João Emanuel Carneiro ou Aguinaldo Silva, mas, em tempos
de hormônios e paixões em estado de efervescência, só prestava atenção nas
aberturas das novelas e olhe lá...
Eis que, anos depois, já imerso nos
prazeres e desprazeres da vida adulta, estava com a TV ligada esperando o
início de mais uma novela de Aguinaldo Silva no horário nobre da TV Globo
quando ouço algo bastante familiar: as batidas de um bumbo e um riff de violão, compondo algo quase
hipnótico. Em questão de segundos, reconheci a introdução de “The Chain” (1977),
uma das canções mais importantes de todo o repertório do Fleetwood Mac, tema
escolhido para a abertura da novela O
Sétimo Guardião (2018), última novela de Aguinaldo na Globo. A trama em si,
aparentemente interessante, misturava realismo mágico e algumas tintas de
mistério, mas se perdeu em milhares de enganos, mas tinha uma trilha de
abertura cativante.
Foi em meados dos anos 1990 que eu
descobri um vício irremediável: o de ser completamente diferente dos meus
companheiros de geração. Com 16 anos de idade, ao invés de prestar atenção no
que havia de mais comum nas tendências musicais, eu ouvia a Antena 1 Rádio FM, mesma estação de
rádio que meus pais e avós ouviam. Graças à programação daquela rádio vintage, descobri o Fleetwood Mac entre
uma canção empoeirada e outra não tão antiga assim. Enquanto o mundo queria
ouvir Puffy Daddy, “Barbie Girl” ou o último sucesso das Spice Girls, eu queria
ouvir o significado por trás dos versos de canções como “Dreams” ou “You Make
Loving Fun”.
Aos poucos descobri que as canções
do Fleetwood Mac que eu ouvia por aí foram gravadas pela sua formação clássica (a
banda teve algumas outras antes de ser um fenômeno de vendas) – Mick Fleetwood:
bateria; John McVie: baixo; Christine McVie: piano, teclados e vocais; Lindsey
Buckingham: guitarras; Stevie Nicks: vocais. Induzido pelo gosto musical dos
adultos da família, encontrei um CD de sucessos da banda em uma loja de discos
perto de casa e fui reconhecendo cada uma das melodias que ouvíamos em casa, no
carro, na casa dos meus avós, nos passeios de carro etc. No final da década de
1990, a banda preferida do ex-presidente norte-americano Bill Clinton gravou um
especial de TV para a MTV norte-americana, reunindo Fleetwood, Buckingham,
Nicks e os McVie depois de uma década, despertando ainda mais meu interesse, já
que a banda passou a ser uma presença (ainda que bissexta) na programação da
MTV Brasil.
Não creio na existência de outra
banda na história do Rock que possua
tantas brigas e disputas internas como o Fleetwood Mac. Perto deles, Mick
Jagger e Keith Richards seriam apenas duas velhas comadres que brigavam de vez
em quando, enquanto os Beatles seriam quatro rapazes fofinhos e bem-comportados
de Liverpool. Nem o talento indiscutível de Fleetwood, Bukingham, Nicks e dos
McVie conseguiu combater os excessos do uso de drogas, os egos imensos dos
músicos, além das separações dos casais (Stevie Nicks e Lindsey Buckingham,
antes de integrarem o grupo, tinham uma tórrida relação de amor; John e
Christine McVie, como indicam o sobrenome em comum, eram casados até meados da
década de 1970). Pelo contrário: os cinco músicos aproveitaram as separações,
as frustrações e as juras de amor e ódio que havia entre eles para dar vida ao
que existia de mais revigorante em matéria de repertório. Além disso, a banda
tinha o diferencial inigualável de ter duas mulheres cantoras e compositoras à
frente do grupo, fazendo de Stevie Nicks e Christine McVie duas estrelas de
primeiríssima grandeza.
A pedra fundamental da obra do Fleetwood Mac é
Rumours, álbum lançado em 1977 que basicamente
retrata os prazeres, as dores, as loucuras e as separações dos membros da
banda. Lançado após Fleetwood Mac (1975) e antecessor
do ambicioso Tusk (1979), as onze canções do disco reúnem
clássicos do grupo como “Dreams” (Nicks), “Go Your Own Way” (Buckingham) e “You
Make Your Loving Fun” (C. McVie). Cada verso retrata um tesão reprimido, uma
frustração evidente, um ódio declarado, um amor desavergonhado: já que nada deu
certo, o jeito é seguir o seu próprio caminho e descobrir que esse tal de amor
pode ser até um sonho divertido. Em “Silver Springs”, canção de Stevie Nicks
que não foi incluída em Rumours,
há um tom de ameaça: a mulher amada vai perseguir e aterrorizar o seu amado até
o momento de receber uma segunda chance – sim, o sentimento amoroso pode ser
profundamente bélico, às vezes. Se quisermos entender a segunda metade da
década de 1970 no Rock, basta ouvir os clássicos do Fleetwood Mac e Hotel California (1976), dos
Eagles, para compreender a essência de uma filosofia de vida que estava de
acordo com o hedonismo e o individualismo que se tornaram a regra das relações
de tantos músicos desde então.
O Fleetwood Mac, apesar das mil
tempestades que sempre temperaram sua música, conseguiu sobreviver com o passar
das décadas de 1970, 1980 e 1990, mantendo-se como uma das maiores atrações
internacionais de todos os tempos. O vai e vem de alguns integrantes chegou a
comprometer a magia da banda – Lindsey Buckingham chegou a deixar a banda em
1987 e retornou 10 anos depois; Christine McVie deixou o grupo no final dos
anos 1990 e voltou quase 20 anos depois –, mas não apagou o mito em torno da
obra. Após uma bem-sucedida turnê entre os anos de 2016 e 2017, o guitarrista
entrou em uma série de embates com seus colegas de banda e abandonou os companheiros
mais uma vez em meados de 2018 – as más línguas dizem que o lendário
guitarrista foi demitido pelo telefone por causa da eterna disputa de egos com
Stevie Nicks, sua ex-mulher e ex-companheira de banda, que não quer vê-lo nem
pintado de ouro. Tempos depois, soube-se que Buckingham teve um ataque cardíaco
quase fatal, talvez por conta do desgosto...
Com o passar do tempo, novas e
velhas confusões continuam surgindo em torno do Fleetwood Mac. Juntos ou
separados, brigando ou se amando, os membros da banda sempre farão parte da
velha corrente que os mantém unidos, a corrente musical que, mesmo diante das intempéries
mais avassaladoras, não quebra jamais. Mesmo quando os eventos no entorno exigem
a sua desintegração, a música os une...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário!