MADONNA – LIKE A PRAYER (1989)
O final da década de 1980 prometia uma
série de mudanças para a música do planeta. Madonna, uma das protagonistas da
música e dos costumes que revolucionaram conceitos e definiram uma era, não
estava incólume a tais ventos de renovação.
No final de 1988, Madge tinha acabado
de completar 30 anos, vivia um casamento em crise com Sean Penn, tentava uma
carreira de atriz séria em Hollywood e na Broadway (sem a mesma repercussão de Desperately Seeking Susan, sua estreia
na telona) e via a necessidade de renovar a sua imagem e som. Ou seja, a música
Pop de Madonna, que lhe rendeu
clássicos como “Everybody”, “Holiday”, “Material Girl” e “Dress You Up”
necessitava se tornar mais adulta, menos voltada para as meninas adolescentes
que imitavam os figurinos e trejeitos explorados por ela nas turnês dos álbuns Like a Virgin e True Blue. Abordar temáticas mais maduras
e menos juvenis tornou-se prioridade para a Pop
Star.
A Madonna que surgiu para os olhos do
grande público em 1989 tinha sofrido a mutação camaleônica mais radical que
aquele espécime poderia ter tido até então. Seus cabelos tinham abandonado a
tintura loira platinada de Nikki Finn, sua personagem alter-ego do filme Who’s That Girl?, para assumirem um tom
castanho escuro. Seu figurino era, surpreendentemente, mais recatado e discreto
– justamente para despistar o mundo da música com a grande revolução que já
estava em curso.
O casório com Penn chegava finalmente
ao fim com a alegação de “diferenças irreconciliáveis” em janeiro de 1989
quando, na verdade, todos sabiam que Sean era dotado de um ciúme extremamente
doentio e que chegava por vezes a bater em fotógrafos e submeter a então esposa
em episódios de cárcere privado (isso quando Madonna não apanhava literalmente do
então marido).
A chegada aos 30 anos de idade fez com
que a perda precoce da mãe (levada pelo câncer pouco depois de ter completado 30
anos de idade) e a relação delicada com o pai se tornassem ainda mais doloridas
e agudas e, com tudo isso, junte-se muita sexualidade reprimida pela
religiosidade extrema de uma família católica. Eis a atmosfera que fez do álbum
Like a Prayer a obra-prima
de Lady Madonna até aquele momento.
A faixa-título abre o disco com uma
guitarra distorcida, um coral de negros, um órgão Hammond B-3 e Madonna
anunciando que a vida é um mistério e que todos nós deveríamos nos manter de pé
sozinhos, porém ao ouvir um chamado especial, nos sentimos amparados como se
estivéssemos em casa e livres de toda a solidão. A prece de Madonna (uma ode
musical ao grupo Sly & The Family Stone) era muito simples, muito direta, porém
ninguém tinha ideia do quão seria provocante até ver o vídeo dirigido pela
diretora Mary Lambert, a mesma que dirigiu a Pop Star em “Like a Virgin”: Madge aparece como testemunha de um
crime cometido por um rapaz negro, depois convertido em santo religioso.
Nenhum problema se Madonna não tivesse
aparecido beijando lascivamente este símbolo religioso na boca e muito menos se
ela não aparecesse dançando freneticamente à frente de cruzes em chamas
proclamando que através da sua prece, sua voz me leva para onde você quiser que
eu vá, blá blá blá…
A mídia ficou em estado de choque, as
instituições religiosas ficaram revoltadas (o Papa João Paulo II liderou um
boicote contra o videoclipe) e a Pepsi – que patrocinaria a próxima turnê
mundial da Diva – decidiu cancelar o apoio financeiro milionário e Madonna foi
eleita pela MTV americana e outros veículos de mídia da época como a artista da
década. O escândalo, mais uma vez, rendeu imensa popularidade à uma das
artistas que melhor souberam se utilizar da mídia e do marketing para promover
sua imagem e som.
A produção do disco ficou dividida
entre Madonna e seus parceiros produtores/compositores Patrick Leonard
(geralmente responsável pelas baladas do álbum) e Stephen Bray (que ficou a
cargo das faixas mais funky desta
coleção) e ainda contou com a participação especial de Prince, que tocou vários
instrumentos e ainda dividiu os vocais e os créditos de “Love Song”. Em linhas
gerais, Like a Prayer é um marco que redefine os limites do Pop, com as letras
mais confessionais que Madge escrevera até então. “Express Yourself” é um hino
feminista, que aponta para que as mulheres jamais devem se satisfazer com a
possibilidade de ficar em segundo plano. “Oh Father” e “Promise to Try” são
duas baladas tristíssimas e respectivamente dedicadas ao seu pai e à sua mãe.
Já “Keep it Together”, parceria dela com Bray, é uma ode à toda sua família (a Pop Star possui um total de sete irmãos
e meio-irmãos).
Like a Prayer rendeu
seis singles de sucesso para Madonna: “Like a Prayer”, “Express Yourself”,
“Cherish” – que contou com um videoclipe antológico em preto e branco dirigido
pelo fotógrafo de moda Herb Ritts), “Oh Father”, “Dear Jessie” (cantiga
infantil dedicada à filha de Patrick Leonard) e “Keep it Together”. “Till Death
Do Us Part” é uma mensagem clara e feroz ao já ex-marido Sean Penn, “Spanish
Eyes” toca no ainda tema tabu da AIDS, que já tinha começado a dizimar milhares
de pessoas ao redor do mundo e “Act of Contriction” mistura trechos da Bíblia
Sagrada com monólogos de Madonna com a guitarra de Prince e lobos de vocalises
do Andrae Crouch Choir (que cantou na faixa-título) em dois minutos e dezenove
segundos de delírio religioso.
A partir de 1989, o mundo passou a
olhar para Madonna não apenas como uma mulher que realmente tinha o poder de
influenciar pessoas, mas principalmente como o de uma Pop Star que iria mudar o
mundo. Like a Prayer foi a jogada fundamental para que Madge redefinisse as
noções de imagem e entretenimento: quem quisesse fazer parte deste mundo,
deveria seguir os rastilhos de pólvora deixados por esta baixinha saída de Bay
City, Michigan, para invadir as casas de todo o planeta e rezar o seu credo.
Por isso, prepare os seus ouvidos e o
seu coração e ouça/veja/sinta a Paixão segundo Madonna…
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