26 de outubro de 2016

TROVA # 94

A RAINHA MARATONISTA


"Does it feel that your life's become a catastrophe 
Oh, it has to be for you to grow, boy..."
(Richard Davies & Roger Hodgson, 1979)


Para D. Elizabeth, minha mãe, no dia dos seus 60 anos. 

Em mais de uma década e meia como estudante e professor de Literatura, fui desafiado a interpretar textos e personagens dos mais diversos. Nenhum destes, entretanto, é mais desafiador para mim do que uma personagem da vida real, a mais importante de todas elas, diga-se de passagem. Escrever sobre esta personagem é tão desafiador quanto escrever um Projeto de Doutorado, por exemplo...
Minha mãe, D. Elizabeth, tem nome de rainha. Personalidade fortíssima. Dela herdei os olhos castanhos e o sorriso que faz os olhinhos encolherem de felicidade. Não sei se a inspiração para os meus avós maternos escolherem o nome dela foi para homenagear a Rainha da Inglaterra ou Liz Taylor. Ao contrário do que o nome sugere, nunca sentou soberana em um trono com um cetro na mão: sempre batalhou como a melhor das operárias para o bem-estar do marido, dos filhos e daqueles que ela ama.
Nem sempre consegui ter a melhor interpretação de minha mãe. Em muitos momentos eu a questionei, a contestei e fiz coisas das quais eu hoje me envergonho. Ao olhar para o retrovisor do tempo e das memórias, penso na quantidade de erros que cometi e na necessidade de sempre aprender com cada um deles. Nada fácil para pessoas contestadoras, geniosas e orgulhosas como eu. Depois dos 30, nossos egos ficam em segundo plano e nos permite maior serenidade para olhar para tudo com mais honestidade.
De perto ou de longe, D. Beth nunca deixou de me apoiar naquilo que eu quisesse fazer. Sempre foi exigente com meus estudos - não seria quem eu sou hoje se não fosse por ela, que abriu mão de uma carreira em nome dos filhos. Nos tropeços e nas vitórias, sempre teve sua palavra de apoio e a torcida mais intensa. Mesmo quando eu achava que o presente era uma catástrofe e o futuro nada promissor, lá estava ela para me dizer que não deveria desistir jamais.
Pensei que minha mãe chegaria aos 60 anos como as típicas senhorinhas de antigamente: em vestidos cheirando a naftalina, com cabelos brancos e sentada em uma cadeira de balanço. Como D. Beth sempre foi preocupadíssima com saúde e bem-estar, decidiu investir seriamente para jamais atingir este velho e surrado estereótipo. E conseguiu: Betinha (para os íntimos) atingiu a marca dos 60 dando um banho em muitas mulheres da idade dela.


D. Beth descobriu a fonte da juventude aos 50, quando começou a praticar corridas. Começou com caminhadas para se livrar do cigarro; depois começou a andar mais rápido; em pouco tempo, passou a fazer corridas de 6km aos domingos; há dois anos, pelo menos, faz meias-maratonas e nos enche de orgulho. Hoje em dia, é raro para mim acordar aos domingos e NÃO encontrar fotos de D. Beth correndo para lá e para cá em cada um dos cantos do Rio de Janeiro, dando um banho de disposição em mim e em tantos outros que vivem uma vida sedentária.
Falar deste e de outros aspectos de D. Beth é muito pouco para descrever a importância dela para mim, meu Pai, meu irmão, meu sobrinho e todas as pessoas da nossa família. Minha Mãe é muito, muito mais do que isso. Acredito que ela adoraria ser lembrada daqui a 100 anos como filha, irmã, esposa, mãe, tia e avó que adorava correr maratonas. Por isso, não só desejo vida longa a ela por ela ter me carregado no ventre por nove meses e por sempre ter sido quem ela foi e é. Quero que Queen Elizabeth viva bastante para que ela possa continuar inspirando tantas pessoas por ela ser o exemplo de vida que ela é.

Nossas referências de vida devem ser homenageadas diariamente. Por isso deixo registrado em forma de crônica para que ela sempre possa se lembrar do filho mais velho, que gostava de escrever desde bem criança...


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