"Mas hoje
retorna o medo das loucuras da cidade"
(Marina Lima & Antonio Cícero, 1979)
Desde o dia em que me mudei de vez para São Paulo que eu sofria com o
velho dilema de não ter transferido meu título de eleitor para poder votar nos
candidatos que se propõem a “administrar” o Planalto de Piratininga. Primeiro
porque sempre tive uma preguiça absurda de ir até o cartório eleitoral mais
próximo e enfrentar a burocracia de horas para poder fazer o tal do meu “papel
de eleitor”. Em segundo lugar, porque nunca levei muita fé no verdadeiro poder
de mudança do meu título de eleitor em um país no qual as elites sempre tomaram
as decisões políticas, econômicas e sociais. Por fim, não tiro a importância do
voto, mas sei que ele não é o único de nossos instrumentos para lutar contra as
injustiças do Brasil. Eu lanço mão de minha militância como cidadão, seja no
espaço público, seja em algumas conversas privadas para poder lutar contra os
desmandos dos que detém o poder.
Não votei em Fernando Haddad para que
ele se elegesse Prefeito de São Paulo em 2012. Demonstrei até uma certa
preocupação pelo fato dele ter subido ao poder graças às alianças políticas
duvidosas do PT de Lula com um político asqueroso da estirpe de Paulo Maluf.
Por outro lado, Sampa tinha padecido por anos nas mãos de administradores
irresponsáveis: Celso Pitta, José Serra, Gilberto Kassab e o próprio Maluf levaram
esta cidade para um buraco sem tamanho. As gestões de Luiza Erundina e Marta
Suplicy foram exemplos concretos de que o Partido dos Trabalhadores já tinha
feito bastante pelos paulistanos. Apesar da força daqueles acontecimentos,
acreditei na competência de Haddad e torci para que ele fizesse um bom governo.
O Brasil adentrou uma espiral de
polarização política a partir de meados de 2013. O aumento das tarifas de
ônibus aqui em São Paulo foi o estopim para que jovens, trabalhadores, a classe
média, a mídia e mais alguns fossem para as ruas e se rebelassem contra quase
tudo que era da ordem do governo federal. Ir às ruas se tornou em uma
demonstração de ousadia e desejo por revolução em uma fração de segundo. Eu me
lembro de ter sido radicalmente contra aqueles protestos – afinal de contas,
aquele slogan de “Dá licença, mas estamos mudando o Brasil” nunca soou muito
bem para os meus ouvidos desconfiados. Nascia ali o ovo da serpente que gerou
os movimentos ditos como “suprapartidários” (MBL, Vem pra Rua e outras falanges
da velha direita conservadora e fascista e primas distantes da clássica TFP) e
que se aliou à mídia para iniciar uma inquisição dos políticos petistas. Dilma
Rousseff e seus correligionários passaram a ser o alvo da insatisfação coletiva.
Fernando Haddad foi duramente criticado por ter proposto o aumento das
passagens A presidenta se preocupou com a voz das ruas e chegou até a propor um
plebiscito para que o povo votasse em reformas urgente, vetado pelo congresso.
O prefeito recuou de sua decisão, depois de ter mostrado alguma resistência. O PT,
ao contrário, não deu a devida atenção para as palavras de ordem e pagou um
preço altíssimo por isso.
Mesmo sofrendo uma série de bombardeios
da mídia, Fernando Haddad fez muito mais do que constituir ciclovias em São
Paulo. O trânsito, este eterno demônio paulistano, melhorou consideravelmente
depois que as Marginais Tietê e Pinheiros tiveram seus limites de velocidade
reduzidos a 70, 60 e 50 km / h. As mortes de paulistanos dirigindo pelas ruas e
grandes avenidas diminuíram consideravelmente depois da regulação, irritando as
elites e a classe média, influenciadas pelos ataques constantes do GAFE (Globo, Abril, Folha &
Estadão) à gestão petista. Milhares de estudantes receberam passe livre em
todos os ônibus da cidade, enquanto vários trabalhadores tiveram a opção de
utilizar o transporte público graças ao Bilhete Único Mensal. Além disto,
Haddad construiu mais de 400 km de ciclovias, faixas exclusivas e corredores de
ônibus e regularizou o aplicativo UBER, para que tivéssemos melhores opções de
táxis na capital. A classe trabalhadora deveria agradecer imensamente ao
prefeito eleito para o mandato 2013-2017: o tempo gasto pelo trabalhador para
ir e voltar foi reduzido em 4 horas / semana.
Outro ponto importantíssimo da
administração de Haddad foi em relação ao trato com as minorias e os movimentos
sociais: incentivou o reflorescimento do Carnaval de Rua de São Paulo; abriu a
Av. Paulista para os pedestres e os ciclistas aos domingos; fez excelentes
políticas de apoio à comunidade LGBT (o programa “TRANSCIDADANIA” dentre eles);
criou o “Braços Abertos”, que abordou a questão do consumo de entorpecentes de
uma maneira muito mais humana; instalou Wi-Fi nas praças e nos ônibus, obrigou
os taxistas a cobrarem tarifas através de máquinas de cartão (uma excelente
medida de segurança para motoristas e passageiros); construiu creches e quase
zerou a fila de espera de vagas nestas instituições; sancionou uma lei
obrigando as escolas municipais a incluírem alimentos orgânicos nas merendas
dos estudantes; colocou ar-condicionado, carregador de bilhete único e de
celular na frota de ônibus; ampliou o horário de trânsito do transporte público
(sim, podemos pegar ônibus de madrugada!).
Em relação à eficiência dos gastos
públicos, Fernando Haddad se provou como um verdadeiro trabalhador no quesito
eficiência: criou um órgão de auditoria independente (a Controladoria Geral do Município);
reduziu a dívida do município; recuperou cerca de 280 milhões de reais para os
cofres públicos; combateu a máfia do ISS e a corrupção na cidade; aprovou o
plano diretor e teve todas as suas contas aprovadas sem nenhuma ressalva. Um
detalhe: Haddad jamais foi acusado de ser corrupto e possui uma trajetória
idônea e limpa, ao contrário de muitos de seus colegas de partido, para não
citar outros exemplos. Seu governo não foi abalado por nenhum caso de
corrupção, algo louvável nos tempos de hoje.
O fato da terceira gestão petista ter
beneficiado o maior número de paulistanos enfureceu a mídia e os conglomerados
midiáticos, fiadores do antipetismo e do fascismo observado nas ruas e nas
redes sociais. A campanha de massificação e distorção dos fatos a favor de uma
elite política mesquinha e incompetente não tinha apenas o intuito de derrubar
Dilma Rousseff, como também tinha o principal alvo o prefeito da cidade mais
importante do país. Conseguiram: elegeram João Doria Jr., um aristocrata, filho
de uma família de escravocratas e membro do PSDB, ainda no primeiro turno das
eleições municipais de 2016.
O quinquagésimo-quarto prefeito eleito
para governar a cidade de São Paulo representa a mesma política velha e
carcomida que está no Governo do Estado há mais de 20 anos. Fizeram pouquíssimo
pelo transporte público; não adotaram medidas para as minorias, tampouco para a
educação; são frequentemente acusados de desvio de dinheiro e são coniventes e
irresponsáveis com a violência crescente. A eleição de Doria não é apenas a
representação do retrocesso político e social que foi instituído no Governo
Federal a partir de um golpe parlamentar financiado pelo PSDB: é o fruto da
irresponsabilidade das alianças feitas pelo PT no passado e da desunião das
forças políticas de esquerda, impossibilitadas de pensar em um projeto coletivo
para uma das cidades mais importantes do mundo. Lançaram mão do discurso
populista e demagógico da “indústria da multa” e de outras falácias para
conquistar o voto das periferias.
O antipetismo encontrou ecos na classe
trabalhadora, descrente no projeto inclusivo e humanista do Partido dos
Trabalhadores. Os trabalhadores serão os primeiros a pagar o alto preço de
terem eleito um lobista. Os abstinentes e os que votaram nulo vão, mais uma vez,
sentir na carne a imprudência de não terem cumprido seu papel de eleitores. A
classe média sofrerá os efeitos de um governo feito exclusivamente para as
elites no próprio bolso. Não estou lançando mão do discurso tucano do “quanto
pior, melhor”, mas a fala do prefeito eleito que ecoa pelos quatro cantos da
mídia nos mostram uma tragédia inevitável. São Paulo deve voltar a sentir o
gosto amargo das loucuras da cidade...
LEIA AQUI O PREÇO ALTO QUE SÃO PAULO IRÁ PAGAR COM A
ELEIÇÃO DE DORIA:
·
http://m.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2016/09/1815630-doria-um-gestor-em-causa-propria.shtml
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